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Foto: Reprodução.
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Enquanto subiam os créditos encerrando o filme Bonifácio – O Fundador da Pátria, por entre aplausos da plateia, não sabia definir se meu sentimento era mais de admiração por José Bonifácio ou de desolação por este país. Pelos comentários e conversas entre-ouvidas na saída do cinema percebi que não era o único a ter ficado com esse sabor agridoce. Embora o filme termine com um convite à esperança, o desalento tinha força equivalente.

O filme não se limitou à contar um pouco da biografia de José Bonifácio e resgatar sua importância fundamental para nossa história, mas procurou mostrar como sua personalidade foi formada. Para tanto, enfocou a vida de José Bonifácio à luz da teoria das camadas da personalidade do filósofo Olavo de Carvalho, um dos principais entrevistados no documentário e cujas intervenções serviam como explicação para os momentos que se iam narrando da vida de Bonifácio.

Essa aula entremeada à narrativa, especialmente na primeira metade do filme, foi formando um contraste crescente entre o desenvolvimento da personalidade de Bonifácio e o desenvolvimento “normal” da personalidade de todo e qualquer brasileiro hoje em dia (e também da época de Bonifácio), salvo raríssimas exceções. E quando já ficava claro que a personalidade do homem transcendia e muito à do brasileiro em geral, mal havíamos entrado nos capítulos de sua vida que fizeram dele O Fundador da Pátria. Ou seja, o que já era superior se tornou grandeza acachapante.

Acontece que no Brasil toda superioridade é mal vista, é até humilhante. “Falsidade e dissimulação fazem o caráter geral dos brasileiros – curiosos e inquietos, mas não ativos nem aplicados.” Eis uma das frases eternizadas por José Bonifácio sobre quem somos. E ele, como o filme deixa claro, era o oposto disso. Muito ativo, mais do que aplicado e que pecava pelo excesso de sinceridade, como quando reconheceu no exílio, condenado por Dom Pedro I, que pagava por ter dito ao imperador tudo o que pensava e ter pensado tudo o que havia dito. Uma personalidade dessas num meio social corrompido pela inveja, que é a causa e o fruto da falsidade e dissimulação tomadas como regra de conduta, obviamente só poderia incomodar, ser rechaçada, combatida e, então, esquecida.

O que fizeram os brasileiros contemporâneos de Bonifácio, mais o que fazemos de sua memória, em contraste com o respeito e consideração com que portugueses e até norte-americanos o tratam (tem até estátua de Bonifácio em Nova Iorque) é prova mais do que suficiente de nossa pequenez de alma enquanto povo, enquanto nação. “No Brasil a virtude, quando existe, é heroica, porque tem de lutar contra a opinião e o governo.” Eis outra constatação precisa de Bonifácio.

Se a decisão de contar a história de Bonifácio à luz de uma teoria explicativa, por mais acertada que seja, por um lado significa fazer dessa narrativa mais um exemplo da tese do que outra coisa, por outro foi justamente essa escolha que permitiu dar medida à grandeza de José Bonifácio, de tal forma que quando essa superioridade virtuosa se apresentou por inteira nenhuma explicação mais se fazia necessária: os fatos narrados falavam por si.

Daí a esperança com que o filme termina, tomando José Bonifácio como uma pessoa exemplar, modelar, que na feliz fala de Dom Bertrand Maria José de Orléans e Bragança no documentário, representa não um retorno à um passado “glorioso”, mas o recuperar de um caminho cuja via de futuro foi perdida antes mesmos de começarmos a trilhá-la. Resgatar a figura fundamental de José Bonifácio é mais do que um dever para com nossa história, mas para com as gerações futuras. E isso esse filme fez com brilhantismo, dando voz e imagem à obra magnífica que Bonifácio começou a construir. Em suas palavras:

“Julguem-me como quiserem; brada-me a consciência dia e noite que fiz à minha pátria, e ao povo desta cidade, todo o bem que pude, e estava ao meu alcance. Se me não foi possível dar a última mão de estuque ao magnífico salão nacional, ao menos embocei a parede. (…) Peço a Deus que faça aparecer homens mais ricos, e mais bem herdados em largueza de virtudes, energia e talentos, os quais talvez sejam mais bem fadados, do que eu fui; mas temam-se e vigiem-se dos Leõezinhos, Lobos e Raposas, que andam às soltas, e sem medo de montaria.”

Que a esperança seja mais forte que nosso desalento.

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