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entre lobos
Documentário “Entre Lobos”, da Brasil Paralelo, tem três episódios e estreou em 20 de junho.| Foto: Reprodução

Quando tinha por volta de 10 anos, desci do ônibus acompanhado de um colega, ali pela região do Passeio Público, aqui em Curitiba. Íamos caminhando em torno do parque em direção à escola de inglês, sua vizinha, quando um maloqueiro me pegou pelo pescoço, pressionou nas minhas costas o que me parecia uma faca e então o tempo parou.

Não sei quantos segundos aquilo durou, mas cada um deles tenho guardado na memória e, quando lembro, vem em câmera lenta como num filme da franquia Matrix. O malaco estava acompanhado de outro, mas nenhum deles dizia nada, enquanto meu amigo olhava apavorado sem saber o que fazer. Era no meio da tarde, muita gente passando em torno. Ninguém fazia nada até que uma mulher pegou no braço do bandidinho, dizendo “para com isso, piá!”, e eu saí correndo com meu amigo para a escola.

Demorei acho que uns dois anos para voltar a ter coragem de andar de ônibus sozinho, caminhar pelas ruas. O primeiro assalto a gente nunca esquece. Mas não lembrei disso por causa do que sofri, mas por assistir a dois documentários recém-lançados. Um, pela HBO, sobre a história do PCC (PCC – Poder Secreto), dividido em quatro episódios. Outro, da Brasil Paralelo, sobre a insegurança pública, chamado Entre Lobos, composto de três partes.

É impossível que, com tamanho poder, as organizações criminosas como o PCC se limitem a corromper agentes estatais. Certamente foram e irão além, adentrando a estrutura formal do Estado

Recomendo ambos, pois o que falta em um é complementado pelo outro. Com ambos temos não apenas um retrato da insegurança pública que todos conhecemos, mas também uma noção melhor do desenvolvimento histórico do quanto a situação piorou, a ponto de se tornar inconcebível hoje que os pais de um piá de prédio de 10 anos, tendo outra opção como os meus tinham, permitam que o filho ande de ônibus ou metrô e caminhe pelas ruas sem acompanhamento de um adulto.

Meus pais não eram irresponsáveis; pelo contrário, estavam me educando a me virar, ser autônomo. Mas, se fosse hoje, jamais me deixariam sair por aí sozinho aos 10 anos. Porque realmente não dá. Quem tiver a opção de não correr riscos não os correrá. Estamos entre lobos, realmente, e o documentário da Brasil Paralelo escancara essa realidade, mostrando que os poucos cães pastores que temos nas forças policiais e judiciais estão de mãos amarradas por uma estrutura legal e um sistema penal que mais servem de incentivo ao crime do que outra coisa.

Embora não seja, nem deva ser, a única forma de combater o crime, é impossível qualquer outra “receita” funcionar, como a surrada “precisamos de mais educação, saúde, oportunidades de emprego”, sem a presença do poder policial do Estado garantindo a ordem. Isso é cientificamente comprovado, aliás, como fica claro em Entre Lobos, apresentando dados estatísticos e exemplos concretos disso, como o que foi feito em Nova York na década de 1990, e a situação da comunidade carioca em que o Bope tem sua sede, onde há mais de duas décadas não há registro de crimes graves cometidos.

Sem isso, o crime se torna a “nova ordem”. Assistindo ao documentário da HBO, já no primeiro episódio se mostra claramente que foi no vácuo do poder estatal que o PCC se formou, cresceu e se tornou algo maior do que ele mesmo. Hoje, dificilmente será possível vencê-lo “apenas” na base da força. O “poder secreto” do PCC está justamente na ramificação social que se consolidou como uma verdadeira cultura a reproduzir sua ordem “naturalmente”. E isso vai se espalhando para fora do Brasil.

A esperança quanto à possibilidade de isso mudar, de voltarmos a ter um mínimo de ordem e segurança, é mínima. E diminuiu mais ainda nos últimos anos. Porque é simplesmente IMPOSSÍVEL (sim, em caixa alta) que, com tamanho poder, as organizações criminosas como o PCC se limitem a corromper agentes estatais. Certamente foram e irão além, adentrando a estrutura formal do Estado, ocupando posições estratégicas para tomar o poder e controle também pelas “vias legais”. Se a lógica não basta para chegarmos a essa conclusão, o documentário da HBO cita exemplos concretos de que isso já acontece.

Com a velocidade com que o “Estado Democrático de Direito” vai se estilhaçando, não duvido que, em um futuro breve, documentários como Entre Lobos e PCC – Poder Secreto acabem proibidos

Qual a extensão do poder do PCC dentro do Estado? Não deve ser pequena. Como ignorar, por exemplo, as possíveis relações entre o PT, que governou o país por 14 anos e pode voltar na eleição deste ano, com o PCC? Recentemente, a revista Veja divulgou trechos da delação premiada de Marcos Valério dizendo que as relações entre PT e o PCC eram estreitas. Não é o único a falar isso, só lembrar da delação de Antônio Palocci. E quem não lembra daquele áudio grampeado pela Justiça, de criminosos na cadeia dizendo que o PCC tinha “diálogo cabuloso” com o PT? Algo mais detalhado sobre isso você encontra em outro artigo desta Gazeta do Povo, publicado recentemente.

Apesar desses fatos, amplamente noticiados e notórios, nesta semana o ministro Alexandre de Moraes, do TSE, determinou a retirada de postagens em redes sociais relacionando o PT ao PCC, sob fundamento de que seria conteúdo inverídico. Até onde se sabe, as reportagens na imprensa não foram censuradas. Ainda. Mas, com a velocidade com que o “Estado Democrático de Direito” vai se estilhaçando, não duvido que sejam e, em um futuro breve, documentários como Entre Lobos e PCC – Poder Secreto também acabem proibidos.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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