A primeira grande provação de Teresinha, consequência de seu sofrimento pelo afastamento de sua irmã Paulina, que entrou para o Carmelo, foi uma doença estranha, que começou com dores de cabeça constantes para se transformar em fortes crises, com convulsões, desmaios, delírios e medo, muito medo, o que ela atribuiu ao demônio. Sua saúde ficou tão frágil que a família foi perdendo a esperança.
As provações na vida acontecem para nos tornarmos mais humanos por uma entrega maior a Deus. Vêm para “quebrar” nosso orgulho, revelando a fraqueza que pode se tornar força apenas pela fé em Cristo, não pela vontade de ser forte e “aguentar o tranco”. Esta provação de Teresinha, parece-me, servia para ela adquirir paciência. Ela queria tudo “para ontem”, não suportava esperar pela primeira comunhão, pela idade propícia para entrar no Carmelo. Foi como se Deus dissesse: “vamos devagar, Teresinha, um passo de cada vez.”
Ao suportar das dores se seguiu o milagre da cura através do grito de fé de sua irmã Maria diante da estátua de Nossa Senhora do Sorriso “que abriu de lado a lado as portas do Céu, até ali fechadas”. O trecho em que a estátua se animou de vida, deu passos em direção à Teresa e sorriu seu sorriso encantador é para ser relido várias vezes. A cura foi imediata, a graça uma certeza absoluta. Entretanto, ao contar às irmãs carmelitas, a interpretação foi outra.
Se paciência era uma virtude que Teresinha precisava desenvolver, e a doença serviu para isso, a provação pela descrença das carmelitas já tinha outro propósito, que ela mesma percebeu: “foi decerto para o bem da minha alma que a Virgem Santíssima permitiu este tormento, sem o qual se teria provavelmente insinuado em meu coração algum sinalzinho de vaidade: ao passo que, considerando desde este momento como herança minha humilhação, não podia voltar para mim os olhos sem experimentar um sentimento de profundo horror. Só vós, meu Deus, sabeis quanto sofri!”
As provações na vida acontecem para nos tornarmos mais humanos por uma entrega maior a Deus. Vêm para “quebrar” nosso orgulho, revelando a fraqueza que pode se tornar força apenas pela fé em Cristo, não pela vontade de ser forte e “aguentar o tranco”
Tudo na história da alma de Teresinha só ganha sentido por esta perspectiva divina. Das inúmeras coisas que aprendemos lendo as vidas dos santos, uma é isso: aprender a contar nossa própria história não como se fossemos os “donos” dela, mas deixando Deus ser o narrador. Precisamos nos descobrir antes de nos construir.
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Quando chegamos à parte da primeira comunhão de Teresinha, logo seguida do sacramento da Confirmação (Crisma), temos uma catequese completa. A experiência da comunhão, deste encontro com Cristo que “mais se deve chamar de fusão que um simples olhar”, é uma união com Jesus que traz “com Ele todo o Céu habitar em minha alma, e recebi, portanto, a visita de minha querida Mãe”.
Compreendo perfeitamente o que ela quis dizer aqui. Meu pai me visita assim, outros entes queridos que já se foram também. Basta uma mera intenção de lembrar deles naquele momento que já se apresentam. Mas sei que é inútil tentar explicar, como bem disse Teresinha: “Mas não quero, nem que o quisesse, poderia dizer tudo… pois, assim como há objetos que, expostos ao ar, perdem logo o perfume, assim há pensamentos íntimos que, se fossem exprimir-se em linguagem da terra, perderiam o sentido profundo e celestial que encerram.”
“Pensamentos íntimos”... É o que pode parecer estar a acontecer para quem “vê de fora” alguém comungando. Também quando alguém reza. Não é, mas para quem tem pouca prática dessas coisas, talvez seja a melhor forma de começar a rezar de fato para além da oração vocal (recitar o Pai Nosso, a Ave Maria etc).
Quando da preparação para a primeira comunhão, uma de suas professoras perguntou como Teresinha se ocupava no tempo livre e ela respondeu: “Minha Senhora, escondo-me por vezes num cantinho livre do meu quarto, fecho-o com as cortinas da cama e ponho-me a pensar…” Quando perguntada sobre no que pensava, respondeu: “Penso em Nosso Senhor, na rapidez da sua vida, na eternidade; enfim… penso!”.
Eis a meditação disfarçada de pensamento aos iniciantes: “Compreendo hoje que aquilo era uma verdadeira meditação com que Deus, de mansinho, ia interiormente me instruindo”. Daí a necessidade de comungar sempre que possível, o que Teresinha sentiu já no dia seguinte à sua primeira comunhão. Melhor do que “só pensar” é se unir a Cristo, por óbvio. Quando essa intimidade com Ele cresce, vem o sacramento da Confirmação, da Crisma. Uma necessidade para recebermos: “a força de sofrer, força de que tanto necessitava para aguentar o martírio da alma que daí a pouco ia começar".
Como me consola “escutar” isso. Fiz minha crisma em novembro de 2013. Meu pai estava doente, mal tinha descoberto que estava com câncer, ainda sem certeza de como tentaria tratar. Não conseguiu ir à missa. Pouco mais de um mês depois ele morreria. Toda vez que volto a lembrar da minha crisma me abala os ossos. Porque se tem uma coisa que me veio por causa disso, sem a menor sombra de dúvida, foi a força de sofrer de que tanto necessitaria para aguentar o martírio da alma que daí a pouco ia começar.
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Teresinha confessa que possuía uma “extrema sensibilidade” que a fazia “verdadeiramente insuportável”. Ou seja, chata, “mimizenta”. Até seu pai estava cansado disso. Nos Natais, Teresinha seguia se comportando como criança, exagerando nas efusões sentimentais diante dos presentes recebidos. No de 1866, escutou seu pai dizer: “Para uma mulher já feita, como Teresa, isso são brincadeiras demasiado pueris: espero que seja o último ano.”
E foi. Para surpresa, alívio e contentamento do pai e de toda família, Teresinha se portou diferente, mais madura. Em suas palavras: “Jesus (...) trocou a noite da minha alma em torrentes de luz. Ao revestir-me por meu amor da fraqueza e pequenez mortal, encheu-me de fortaleza e coragem; e empunhando assim as suas armas, fui caminhando de vitória em vitória, dando, por assim dizer, princípio a um caminho de gigante.”
Tão decisivo foi o acontecido naquele Natal que Teresinha considera que ali começou novo período de sua vida, no qual a “fortaleza de ânimo que perdera aos quatro anos e meio” foi recobrada. Além de mudar sua postura, iniciou sua missão vocacional: “A partir deste dia ressoava a cada instante em meu coração o grito de Jesus moribundo: ‘Tenho sede!’; e aos ecos deste brado ateava-se em minha alma um fogo tão insólito e tão vivo, que toda minha ânsia era dar de beber ao meu Amado salvando-lhe almas, cuja sede me devorava, e arrancando a todo o custo os pecadores às chamas eternas.”
A primeira alma foi a de um assassino, Pranzini, por quem Teresinha rezou por seu arrependimento, pedindo apenas um sinal qualquer disso. No dia da execução de Pranzini, o criminoso subiu ao cadafalso sem confissão nem absolvição “quando, sacudido repentinamente por uma súbita inspiração, o veem voltar-se, pegar num crucifixo que o sacerdote lhe apresentava e beijar três vezes as sagradas chagas!...”
Teresinha está aqui com 14 anos. Saiu de cena a sentimental demais, entrou em cena a Teresinha “sangue nos olhos”, focada numa única coisa: dar de beber ao Cristo sedento de almas. A começar pela sua. Até aqui, seu alimento espiritual era o famoso “A Imitação de Cristo”, que sabia de cor. Mas, a partir daqui, foi o próprio Jesus a lhe alimentar e conduzir: “Comparava os diretores espirituais a espelhos fiéis destinados a refletir nas almas a imagem de Jesus Cristo: mas, pelo que a mim dizia respeito, estava persuadida que Nosso Senhor atuava diretamente na minha santificação, sem auxílio de medianeiros”.
É tão impressionante a firmeza de propósito de Teresinha a partir daqui que um fato apenas basta para demonstrar o resultado de suas ações e orações. À época, era raro conceder a comunhão diária, sendo o normal comungar apenas na Páscoa e no Natal. Mas Teresinha queria mais, queria tudo, todos os dias, se possível. Nunca forçou ou pediu permissão para comungar mais do que os demais, porém. Mas ao escrever sua história, confessou: “Hoje procederia de outro modo, porque estou convencida que uma alma deve manifestar ao seu diretor os desejos que sente de Deus, o qual, se desce todos os dias do Céu, não é para ficar no cibório de ouro, mas para repousar noutro Céu, o céu da nossa alma, objeto constante das suas delícias”.
Muito por causa dela, o Papa Pio X, no início do século XX, abriu as portas para a comunhão diária dos fiéis. Assim decidiu depois da leitura das cartas de Santa Teresinha. Então, meu caro(a) católico(a), se você hoje pode comungar todos os dias, nos mais variados horários de missas disponíveis, sabe a quem agradecer por isso. E tenho de rir, lembrando da época em que li pela primeira vez Santa Teresinha, logo depois de ter lido Santa Teresa D’Ávila. Achei “sem comparação” a grandeza desta com a pequenez de Teresinha. Claro que a ambição do meu orgulho preferiu a “Teresona”. Hoje, não tenho preferência, “quero tudo”. Santas Teresas, rogai por nós que recorremos a vós.
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