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Teresinha passeou por Roma por 6 dias antes de encontrar o Papa. O que me chama a atenção é o quanto ela foi “atrevida” o tempo todo. No Coliseu, era proibido descer à arena onde tantos mártires morreram. Pois ela pegou a irmã e pulou as barreiras. Beijou o pó e levou consigo algumas pedrinhas como relíquias.
Nas Catacumbas, de novo, ela e a irmã “acharam arte de penetrarem juntas e agachadinhas até ao fundo do antigo túmulo de Santa Cecília para conseguirem um pouco de terra santificada pelas suas benditas relíquias”. Na Igreja de Santa Inês saiu com uma lasca de mármore encarnado de um rico mosaico. Na Igreja de Santa Cruz de Jerusalém, pediu ao guarda para tentar tocar, pela grade, dois espinhos da Coroa do Senhor e um dos cravos. Foi autorizada, pois o guarda acreditava que não alcançaria. Resultado: “meti o dedo mínimo por um orifício do relicário e tive assim a dita de tocar no precioso cravo que fora banhado com o sangue de Jesus Cristo.”
No sétimo dia, enfim, conheceu o Papa, com quem não tinha autorização para falar, “mas eu ia determinadíssima a falar”. E falou, pedindo para ser aceita no Carmelo. O Santo Padre a respondeu com gentileza, mas ela insistiu e quando ia replicar pela terceira vez “dois guardas nobres me acenaram que levantasse; e como eu não me resolvesse a obedecer-lhes e continuasse de mãos postas e fincadas nos joelhos do Papa, agarraram-me pelos braços, vindo o Pe. Révéromy ajudá-los a erguerem-me.”
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Tamanha obstinação não parece em nada com a imagem corrente que se tem por aí de Santa Teresinha, não? Ainda mais quando lemos o que ela diz, diante da frustração de não ter obtido resposta segura do Papa naquele momento: “apesar das minhas lágrimas, sentia no fundo do coração perfeita paz; que, por ser, como digo, tão íntima e tão profunda, não impedia que a alma estivesse a transbordar de amargura… e Jesus calava… Dir-se-ia até que estava longe, pois nenhum sinal me dava da sua presença.”
Ah, Teresinha, Teresinha… Tão humana e já tão… santa. Ela usou de uma analogia maravilhosa para expressar sua frustração, dizendo que havia pedido ao Menino Jesus que se servisse dela como um brinquedinho. Daqueles como uma “bolinha sem valor que ele pudesse atirar ao chão, fazer rodar o pé, furar, abandonar a um canto, ou então apertar contra o coração, se bem lhe aprouvesse.”
Teresinha criou Toy Story antes dos roteiristas de Toy Story e ninguém sabia, veja você! Pois exatamente esse pedido foi atendido. Teresinha sentia que o Menino Jesus havia furado “o seu brinquedinho”. Com que objetivo? “Para ver, com certeza, o que havia dentro dele… e contente com o achado, deixou cair das mãos a bolinha e adormeceu. (...) Pode calcular, minha boa Madre, a tristeza da bolinha ao ver-se rolando pelo chão!” Sempre sofremos quando não entendemos o que, por que e/ou como Deus está agindo em nossa vida. Precisamos ter fé que tudo será pelo nosso bem e persistir “em esperar contra a toda a esperança”.
Mas Deus não desampara nossa incompreensão, sempre lançando mão de algum consolo. Com Teresinha aconteceu isso, quando ela fala da visita a um mosteiro de São Francisco e Santa Clara e perdeu uma fivela do seu cinto. Por causa disso, perdeu sua carruagem e precisou ser abrigada em outra, tendo de sentar em frente ao seu “algoz”, a do Vigário Geral de Bayeux, que era frontalmente contra a entrada dela antes da época certa. Entretanto, durante a viagem, o Vigário foi muito atencioso e disse que faria o que estivesse ao seu alcance para que o desejo dela se realizasse. “Este encontro ocasional foi um bálsamo salutar para a minha ferida”. Eis Deus enchendo de novo a “bolinha” dele. Depois do retorno, no dia 1º de janeiro de 1888, Teresinha recebeu carta da Madre do Carmelo dizendo que o Prelado havia autorizado sua entrada.
É sempre difícil para quem é “mundano” demais entender o tipo de prêmio recebido por quem escolhe seguir um caminho espiritual. Porque, visto de fora, não parece haver qualquer atrativo. Ao contrário, só sofrimento e tédio. Seus afazeres não pareciam ter qualquer apelo espiritual, como fazer a limpeza do claustro e demais áreas do mosteiro, arrancar ervas do jardim, costurar roupas, coisas assim. E o que recebia como “salário”? A Madre a tratava com extrema severidade, criticando-a constantemente. Além disso, espiritualmente falando: “O pão cotidiano da minha alma foi logo de princípio amassado com a mais azeda aridez espiritual.” Aridez espiritual ocorre quando você não sente mais o sabor das coisas espirituais, em suas orações e demais práticas. Parece tudo “deserto”, quase sem sentido.
É sempre difícil para quem é “mundano” demais entender o tipo de prêmio recebido por quem escolhe seguir um caminho espiritual. Porque, visto de fora, não parece haver qualquer atrativo
De uma perspectiva mundana, portanto, estaria mais do que justificada se ela desistisse, concluindo que essa vida não seria para ela. Mas as coisas não se passam assim de uma perspectiva espiritual. É assim: “Pelo que acabo de expor e por outras tribulações ainda mais sensíveis, posso dizer com verdade que desde a minha entrada me estendeu o sofrimento os braços e que me lancei neles com amoroso ardor.”
Onde o mundo só vê sofrimento e tédio, o espírito vê amor e sentido da vida, combinação que podemos chamar de felicidade: “Não se tratava de uma felicidade efêmera, que houvesse de esvaecer com as ilusões dos primeiros dias. Ilusões? Por misericórdia de Deus nunca as padeci. A vida religiosa apareceu para mim conforme a ideia que dela tinha feito, sem me assustarem os sacrifícios, que, bem o sabeis, minha Madre, me eriçaram de espinhos as primeiras passadas que dei por cima de algumas rosas que também pisava."
"A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina." I Coríntios, 1;18. A linguagem da cruz é uma linguagem de sofrimento. Naturalmente, sofrer por sofrer é masoquismo. Naturalmente, evitamos a dor e tentamos terminá-la o mais rápido possível quando se tornou inevitável. Naturalmente, escolher o sofrer parecerá sempre loucura. Naturalmente…
Um dos maiores sofrimentos de Teresinha se iniciou durante seu noviciado, quando o pai começou a padecer de períodos de paralisia que o levaram a um longo sofrimento por anos. Assim Teresinha lidava com isso no claustro: “Sofro muito, minha Madre, mas sinto que ainda posso sofrer mais”. Naturalmente…
“Um dia, no Céu, recordaremos com deleitosa saudade esses dias sombrios do exílio. Sim, os três anos do martírio do nosso pai parece-me que são os mais simpáticos e os mais proveitosos da nossa vida e que eu não trocaria pelos êxtases mais sublimes; por isso o meu coração, em presença de tão inestimável tesouro, exclama no auge da gratidão: Bendito sejais, meu Deus, por estes anos de graças que passamos em tanta aflição de espírito.”
Naturalmente, isso é incompreensível, loucura mesmo, salvo se Deus existe de fato e sua linguagem da cruz seja capaz de transfigurar o sofrimento em amor, em felicidade. Se sim, naturalmente o inverso é que é loucura. A partir daqui, de duas, uma. Ou a leitura da História de uma Alma despertará, aumentando cada vez mais, o desejo por este “Um dia, no Céu” ou o leitor acabará sentindo repulsa por Teresinha, transformando tudo em um imenso “blá, blá, blá” de gente louca ou, no mínimo, chata.
Naturalmente, o segundo tipo dificilmente seguirá lendo o livro. E se você gostaria de ser do primeiro, mas está mais querendo gostar da leitura porque, enfim, trata-se da história de uma santa, do que realmente gostando e admirando Teresinha, melhor confessar logo que, naturalmente, está mais para o segundo tipo de leitor. Porque o do primeiro tipo aqui simplesmente se cala por dentro, deixando-se levar pela contemplação da história de uma alma naturalmente conduzida por Deus. Naturalmente…