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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

História de Uma Alma (Parte 5)

Santa Teresinha do Menino Jesus. (Foto: Reprodução)

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Teresinha escreveu tendo por interlocutoras três pessoas diferentes. No primeiro manuscrito, dirigiu-se à Madre Inês de Jesus, que era sua irmã Paulina. No segundo, à Madre Maria de Gonzaga, a quem começou fazendo uma breve meditação sobre os caminhos de Deus para guiar as almas, comparando as vidas de santos que não deixaram um mísero vestígio de si, “nem uma pequenina recordação, nem um escritozinho sequer”, com outros que “enriqueceram a Igreja com sua sublime doutrina”, como é o caso de Santa Teresa D’Ávila.

E se perguntou: “qual destes dois caminhos será mais do agrado de Nosso Senhor? No meu entender, tanto se contenta Deus de um como do outro”. Teresinha, por óbvio, parece ser a do segundo tipo, a que deixa mais do que vestígios, mas sublime doutrina. Acontece que o que ela tem a apresentar, comparado ao que outros apresentaram, como a própria Santa Teresa D’Ávila, parece “minúsculo”, pequeno demais, mal servindo de vestígio. Teresinha me parece ser uma santa do primeiro tipo elevada ao segundo.

Veio, então, a famosa analogia comparando escadas com um elevador, que “poupa trabalho”: “quero também eu ver se encontro um elevador que me eleve até onde habita o meu Jesus, pois sou pequena demais para subir pela íngreme escada da perfeição”. Acompanhar Teresinha, portanto, é seguir um mapa do tesouro que não nos faz passar por muitas aventuras, mas nos leva direto ao baú escondido.

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Acho que nas leituras anteriores que fiz deste livro não tinha percebido isso, que, no segundo relato, Teresinha preencheu o que pareciam ser lacunas no primeiro: a falta do “como” ela chegou aonde chegou. Ela esclareceu que o que aparecia “para fora” não era o mesmo que se passava por dentro dela. Por dentro, vivia uma verdadeira e intensa noite escura da alma, típica dos adiantados no caminho da santidade.

É difícil compreender para quem está distante desse ponto da caminhada. Não é um sofrimento qualquer, de vazio ou tédio ou ausência de afetos. Parece mais uma união com Jesus Cristo a suportar, de fato, na carne, os pecados do mundo todo esquecido Dele. Ela usou uma analogia para tentar expressar isso, a de morar numa cidade envolta em espesso nevoeiro “onde nunca foi dado contemplar o aspecto risonho da natureza nem entrever o mais pequenino raio de sol”.

Por isso, diante de tamanho sofrimento, as almas principiantes estão obrigadas a compreender direito o que Teresinha desejou quando pediu um “elevador” para amar mais diretamente a Deus. Não era uma forma de sofrer menos ou por tempo menor, mas com mais intensidade, sendo que nos andares mais altos deste “edifício” vem esse nevoeiro aí que deixa a pessoa assim: “não sinto com isso a mais ligeira sensação de alegria: canto simplesmente o que quero crer.” E concluiu: “Nunca tão palpavelmente como neste transe experimentei quão suave e misericordioso é o Senhor, pois para me enviar esta pesada cruz, esteve à espera do momento em que eu a podia suportar; se me tivesse mandado esta cruz tempos antes, creio que teria esmorecido”.

Acompanhar Teresinha é seguir um mapa do tesouro que não nos faz passar por muitas aventuras, mas nos leva direto ao baú escondido

Eu esmoreço só de imaginar, que Deus tenha misericórdia. Mas, em meio à noite escura da alma, como nos orientar se Deus parece ter nos abandonado? Teresinha se entregou à obediência aos seus superiores: “As tentações contra a fé, que o divino Mestre permitiu que me acometessem, radicaram em meu coração mais e mais o espírito de fé, que me faz ver na pessoa de V. Rev. um Deus vivo a comunicar-me as suas benditas ordens”. Mais humildade, fruto da obediência, mas não apenas. Deus não mandaria cruz tamanha sem um benefício ainda maior. Se a provação para assegurar um amor a Deus sobre todas as coisas Teresinha “tirava de letra”, por outro lado era este mesmo amor maior que tornava o cumprimento do segundo mandamento carente de aperfeiçoamento.

“Todo o meu empenho era amar a Deus, e no exercício deste amor é que eu descobri o segredo destas outras palavras: ‘Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor!, entrará no reino dos Céus; mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus, esse entrará no reino dos Céus’.” Ao meditar sobre esta e outras passagens sobre o amor ao próximo, Teresinha concluiu: “quão imperfeito era o amor que eu tinha a minhas irmãs, pondo-me bem manifesto que não as amava como Jesus”.

Se um dia chegar a esse andar do edifício da santidade, desconfio que minha imperfeição será a oposta, de me dedicar mais ao amor ao próximo do que a Deus. Não que eu seja lá essas coisas no amor ao próximo hoje, é apenas constatação da inclinação maior do meu coração. Sinto que servindo ao próximo agrado mais a Deus. Eu só com Ele ainda é aquela coisa de quem mais teme o pai do que consegue se sentir à vontade ao lado Dele. Ainda há muito de tentar parecer “à altura”, de ficar desconfortável sendo apenas o pecador que sou e mais nada, de querer mais agradar do que deixar ser amado, que é a única forma de amar a Deus. Enfim, o orgulho... Para chegar à noite escura da alma é preciso antes sair desse quarto escuro. O orgulho é esse quarto escuro em que nos trancamos enquanto o Sol brilha sem nuvens do lado de fora.

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O que é fazer a vontade de Deus?

Teresinha usa de outra analogia para responder. A do pintor, que seria Deus, e seus pincéis, que seríamos nós: “Minha veneranda Madre, eu sou um pincelzinho de que Jesus se serve para pintar a sua imagem nas almas que me confiastes”. Mas como saber quando é Deus ou nós a tomar o pincel nas mãos?

“Quando o divino Mestre me diz que dê a quem quer que me pede, e que se alguém me tomar o que é meu, lho não reclame,entendo que não se refere só aos bens da terra, senão também aos do Céu: tanto mais que nem uns nem outros me pertencem já: pelo voto de pobreza renunciei aos primeiros; e quanto aos segundos, são um empréstimo que Deus me faz, podendo retomá-los sem que eu tenha direito de me queixar.”

Das coisas que mais aprendi e aprendo com Santa Teresinha é o quão simples a oração deve ser

Ou seja, a própria dúvida de querer saber já é pegar o pincel nas mãos, se achando o pintor. Aí entendo por que mais me chamou a atenção nesta parte da história ter sido este trecho, que associo aos bens espirituais de que ela falou: “Mas os pensamentos profundos e pessoais, as cintilações da inteligência e os incêndios do coração constituem uma riqueza a que facilmente nos apegamos como a bem próprio, e na qual a ninguém damos direito de tocar”. Haja entrega, haja fé. O que me faz compreender um pouquinho melhor o que seria a noite escura da alma, tornando-se um pincel aparentemente abandonado por Deus e resistindo não assumir o lugar Dele enquanto Ele não volta.

Teresinha descreveu algumas das vezes em que Deus dela se valeu como seu pincelzinho a pintar nas almas de suas irmãs e naquelas por quem rezava. Aqui, a relevância crucial da oração ganha destaque: “Que poderosa não é, pois, a eficácia da oração! Dir-se-ia uma rainha com audiência sempre franca à presença do rei, e com credenciais para alcançar dele quanto pedir. Para sermos atendidos, não é preciso recorrer a livros nem a fórmulas feitas para a ocasião: pobre de mim, se assim fosse!”

Das coisas que mais aprendi e aprendo com Santa Teresinha é o quão simples a oração deve ser. Ela pouco ou nada se valia de maiores apoios para rezar, seja livros, seja orações prontas, rezava “como crianças que não sabem ler: digo com toda simplicidade a Nosso Senhor o que lhe quero dizer e Nosso Senhor sempre me entende”. Mas ela detalha melhor essa forma de rezar, que acho das maiores preciosidade de todo o livro: “Para mim a oração é um desabafo ardente do coração, um simples arder dos olhos ao Céu, um grito de reconhecimento e de amor, quer no meio da tribulação, quer no auge da alegria! Enfim, é um não sei quê de sublime e sobrenatural que dilata a alma e a une a Deus”.

É importante saber, estudar, reconhecer. Ajuda a se orientar em suas orações, mas, por outro lado, também pode atrapalhar se não se deixa o coração livre de formalidades, como crianças a brincar na hora do recreio

Eu adoro esse “não sei quê”, esse “desabafo”, esse “arder dos olhos”. Se você for estudar mais sobre oração, descobrirá vários graus e tipos existentes. É importante saber, estudar, reconhecer. Ajuda a se orientar em suas orações, mas, por outro lado, também pode atrapalhar se não se deixa o coração livre de formalidades, como crianças a brincar na hora do recreio. Demorei muito tempo para entender isso, que não era eu quem tinha de criar o ambiente perfeito e fazer todas as invocações e leituras para “entrar em oração”. Muitas vezes o coração já estava “lá” e eu atrapalhava com minhas rotinas. Ou, então, chegava “lá” no meio dessas leituras e em vez de “lá” ficar simplesmente, insistia ser preciso terminar o que fazia antes.

E quando esse “lá” nunca chega e a oração parece inútil, mais simples ainda deve se tornar, como ensina Santa Teresinha: “Às vezes quando a aridez do espírito é tão grande que não acerto a colher em um só pensamento, recito pausadamente um Pai-Nosso ou uma Ave-Maria, e com estas orações todas me enlevo, pois me subministram um alimento divino que me basta”. Hoje em dia esse enlevo seria chamado de “quentinho do coração”. Tanto faz. O que importa é o espírito dando vida à letra, nunca o contrário.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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