Apresentação do The Miraculous Love Kids em 2018.| Foto: Site oficial/The Miraculous Love Kids
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Em 8 de setembro de 2012, as irmãs Khorshid, Parwana e Mursal, de 14, 8 e 7 anos, respectivamente, foram vender seus lenços, xales e artesanatos perto do complexo das tropas internacionais da Otan em Cabul, no Afeganistão, como era do costume delas. Como havia muitas crianças, Khorshid mandou Mursal para uma rua lateral mais tranquila, enquanto ela e Parwana ficaram no portão principal. Minutos depois, um menino de 14 anos se explodiu em frente ao portão, matando pelo menos seis crianças, entre elas Khorshid e Parwana. A morte delas foi amplamente divulgada, pois as irmãs faziam parte de uma escola de skate de Cabul, que também era uma instituição de caridade que combinava o ensino do skate e patinação com educação para crianças de rua.

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Em Los Angeles, o músico Lanny Cordola (que trabalhou com vários artistas, como Slash, do Guns’N Roses) leu sobre o fato no New York Times e não conseguiu mais esquecer. Dois anos depois, enquanto viajava pela Ásia, decidiu ir a Cabul, conhecer a família das irmãs assassinadas. Moravam em Shuda, nos arredores de Cabul, no topo de uma colina, em uma casa muito pequena, sem água corrente ou banheiro. O pai havia recentemente deixado a família devido ao vício em drogas. A mãe, que era policial, já havia perdido – além do marido – 6 de seus 12 filhos para a pobreza, a guerra e o terror. Lanny lhe perguntou o que poderia fazer para ajudar e ouviu em resposta: “Por favor, ajude meus filhos a terem um futuro melhor”.

Ele prometeu retornar e assim o fez em junho de 2015, depois de ter conseguido arrecadar fundos nos Estados Unidos, não apenas para ajudar a família, mas também criar uma escola de violão para crianças de rua em Cabul, que chamou de The Miraculous Love Kids, como disse em entrevista: “O plano é fazer disso uma entidade onde elas possam viajar pelo mundo, tocar música, contar a história de suas vidas e do povo do Afeganistão, e então colaborar com outras garotas com origens semelhantes, com crianças de diferentes partes do mundo e transformá-lo em um fenômeno internacional e global”.

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Assistindo aos vídeos do projeto The Miraculous Love Kids, impressionaram-me suas expressões faciais, posturas corporais, sem nenhuma pose, nenhuma vaidade, nenhuma ambição, tão-somente entregues à gratidão por terem escapado do terror

Conseguiu mudar a família para sua primeira casa segura e Mursal, então com 11 anos, e seu irmão e irmã começaram a estudar em uma escola particular. Mas quando Mursal viu o violão que Lanny havia levado, seu olhar brilhou. Lanny perguntou se ela gostaria de aprender a tocá-lo. Ela quis e se tornou, assim, a primeira Girl With a Guitar, uma banda composta pelas meninas participantes da escola.

Lanny vinha implementando seu plano, conseguindo não apenas doações internacionais ao projeto, mas também engajando outros artistas, bem mais famosos do que ele, como o ator Kiefer Sutherland, que doou 15 violões para as meninas, e outros músicos que gravaram algumas canções com as meninas (disponíveis no canal de Lanny no YouTube), como Brian Wilson, Tom Morello, Sammy Hagar, Nick Cave e Blake Shelton.

Mas tudo parecia perdido quando o Talibã reassumiu o poder no Afeganistão depois da retirada das tropas americanas, o que se concluiu em meados de 2021. Com isso, a música foi proibida no país e a escola não poderia mais existir. Lanny, então, começou uma operação para proteger as meninas. Pediu que usassem a burca, ao que não estavam acostumadas, e que destruíssem os violões. Mas as meninas se recusaram a perder os instrumentos, escondendo os violões e correndo vários riscos até que Lanny enfim conseguiu condições de reuni-las novamente no Paquistão, onde estão no momento.

Descobri essa história nesta semana, com o lançamento do vídeo gravando uma poesia de Nick Cave, musicada por Lanny. Por si, essa história já valeria a pena e esta coluna estaria suficiente com o que vai acima, mas não foi isso que me fez escrever sobre. Foram as meninas.

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Assistindo aos vídeos em que aparecem cantando e tocando violão, impressionaram-me suas expressões faciais, posturas corporais, sem nenhuma pose, nenhuma vaidade, nenhuma ambição, tão-somente entregues à gratidão por terem escapado. Os olhares carregados das tristezas vividas, suavizados pelos sorrisos tímidos, com o conjunto expressando uma frágil esperança que fez, do momento ali vivido e registrado, tudo que importava, tudo o que importa.

Poderia escutá-las por horas, especialmente a versão que fizeram de Fragile, do Sting, cuja letra ganha muito mais significado aqui, gravado no alto de um monte, entre os escombros do mausoléu de Nadir Xá, importante figura histórica do Afeganistão. Desta, não basta o link; faço questão de deixar o vídeo que se encerra com Mursal, hoje com 18 anos, mulher feita e linda, com uma guitarra tatuada no braço, fazendo o “V” da vitória. Porque precisamos sempre lembrar do quão frágeis somos e, por isso mesmo, para não esquecer também do quão milagroso é o amor que move o sol, as estrelas e pessoas como Lanny Cordola.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]