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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Música e viagem

De quando escutei Luísa Sonsa, Sonza, Soza (não sei direito o sobrenome)

Área do Pantanal no estado do Mato Grosso. (Foto: Filipefrazao/Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported license/Wikimedia Commons)

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Depois de passar uma semana no Pantanal, mantendo distância razoável dos acontecimentos, amém!, voltava para casa conferindo as mensagens deixadas. Várias com piadinhas fazendo referência a uma música da Luísa Sonsa, Sonza, Soza, realmente não sei o sobrenome, falando de um tal de Chico, que parece não ser o Buarque nem o Anysio.

Não havia escutado, continuo não escutando, mas uma amiga me mostrou antes de o avião decolar um vídeo de Caetano Veloso, aquele, dando sua opinião numa discussão que a música suscitou, sobre se seria bossa-nova ou MPB. Pelo que entendi, Caetano achou que é bossa-nova. Ou não, porque tudo meio que seria MPB, a depender da definição dessas coisas.

Embora até hoje não saiba se a sanha arranha o carro ou o sarro arranha a Espanha, entendi o que Caetano dizia, pois vinha meditando sobre isso durante a viagem, não exatamente sobre música popular brasileira, mas sobre nossa mistura em todas as coisas tornando quase impossível definir uma identidade, não só do que seria MPB.

Embora o Pantanal seja o menor de nossos biomas, contém nele um pouco de todos os demais biomas brasileiros. O que também explica o fato de não termos apenas um Pantanal, mas 11, cada qual com características próprias

Quando viajo, gosto de escutar músicas locais e começar a viagem antes de ir. Mas, desta vez, o Pantanal despertou o desejo de criar uma playlist durante minha permanência por lá, conforme os dias iam passando, as experiências meditadas, a vida acontecendo. A ideia era fazer uma playlist com músicas apenas regionais, mas não conseguia. Embora existam, é claro, não as achei assim tão características, daquelas que de escutar você sabe de onde vêm, como um forró, por exemplo.

É verdade que estando lá se entende muito melhor o tocando em frente de Almir Sater por aquelas estradas longas feitas de saudades e águas, cheias de atalhos entre si. Mas a playlist foi se montando com bem mais do que isso, com músicas brasileiras de todos os gêneros. Colocava um samba e fazia sentido; uma “brega” e fazia sentido; uma das “antigas” da MPB e fazia sentido; uma das modernas também estava em casa; rock, sertanejo, nordestina, soul, tudo parecia casar com o Pantanal. Até a Luísa deve fazer sentido por lá.

Como pode? Bem, se você pensar que embora o Pantanal seja o menor de nossos biomas, contém nele um pouco de todos os demais biomas brasileiros, faz sentido. O que também explica o fato de não termos apenas um Pantanal, mas 11, cada qual com características próprias. Ou seja, estranho seria se no Pantanal não coubessem todos os gêneros e estilos musicais brasileiros.

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Mas não somente. Ao conhecer alguns dos ribeirinhos, os chamados bugres, era impossível não ver na sua particularidade também algo que possuem em comum com capiaus e matutos, sertanejos e caiçaras, e todos os demais tipos brasileiros que nem conheço ainda, mas já sei quem são, tão resilientes em sua simplicidade e desconfiados de quem não é seu igual, jamais negando a hospitalidade aos aparentemente superiores, com as portas de casa abertas, cafezinho na mesa e a prosa vagarosa, com olhar de soslaio.

Faz tempo que não releio Gilberto Freyre, mas desconfio que só agora tenho condição de entendê-lo melhor, entender essa mistura que nos faz ser quem somos mesmo sendo tão diferentes. Mas o que somos, no fim das contas? Um fato ocorrido ajuda a ilustrar, ainda que não consiga explicar. Ilustrar e nos fazer admirar. Em 2021, o Pantanal ardeu em chamas, incêndios por tudo, um desastre sem precedentes. As marcas da tragédia estavam por toda parte, mas já menores que as da regeneração da natureza, que em breve fará tudo se tornar apenas uma lembrança ruim.

Imaginei que, dos bichos todos, os pássaros teriam conseguido escapar, por motivos óbvios. Mas não. Não abandonaram seus ninhos, preferindo queimar junto. Ficaram, como ficaram os ribeirinhos também, de quem o fogo chegou muito, muito perto, mas, ainda que tomasse conta de tudo, não os faria sair dali, pois ribeirinho que se preze tem a teimosia de quem se sente parte do chão e do rio, não do Brasil, que pouco lhe dá e muito lhe tira. E é isso que somos e mais não temos. Só falamos que somos o país do futuro porque esse futuro, na realidade, nunca chega, é sempre um presente de esperanças logo frustradas, mas jamais perdidas.

Ao conhecer alguns dos ribeirinhos, os chamados bugres, era impossível não ver na sua particularidade também algo que possuem em comum com capiaus e matutos, sertanejos e caiçaras, e todos os demais tipos brasileiros que nem conheço ainda, mas já sei quem são

Falando em esperança, resolvi escutar a tal música da Luísa Sonza (agora descobri o sobrenome). Ela tem aquele jeito boca-mole de cantar de hoje em dia, mas é uma bossa-novinha mesmo, o que, diante do incêndio de ruindade musical em que vivemos, não deixa de ser um pequeno colibri a voar baixo, sobrevivendo (desconfio que também no próprio repertório de composições da moça, que desconheço por completo, salvo esta). E, como imaginei, também encaixa na minha playlist do Pantanal, esse alagado de silêncios, encharcado de Brasil e povoado de poemas de Manoel de Barros, como O Apanhador de Desperdícios, do qual deixo um trechinho:

Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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