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Estava aqui escrevendo uma coluna dando sequência ao tema tratado nas duas últimas quando estourou mais um episódio de exposição sexual, o já famoso caso do Peladão do MAM. Fiquei a pensar no que ocorreria se o sujeito saísse nu pelas ruas com uma plaquinha pendurada no pescoço com os dizeres: isso é uma performance artística contendo nudez, imprópria para menores de 18 anos. Tudo certo, não? Liberdades artística e de expressão autorizando a performance que por sua vez respeitaria o Estatuto da Criança e do Adolescente. Quem não quisesse ver bastaria apenas desviar o olhar.

Pois então, fiquei tão tocado – epa! – pela performance do coreógrafo de pênis regredido que resolvi ser maleável e experimentar como é fazer parte do movimento pela liberdade artística sexual incondicionada. Ou seja, decidi fazer eu mesmo uma performance nudística no meio da rua, o que me fez adiar o textão para a semana que vem e compartilhar hoje com vocês meus nudes colunísticos. Sim, nudes. Estou escrevendo pelado.

Só um instante que meu caçula veio me pedir uma bolacha – biscoitos não passarão!

Voltei. E creio já posso considerar o experimento em andamento. Quando me levantei para ir à cozinha, meu menino me viu artista e ficou escandalizado, perguntando: “Que é isso, pai?”. Aproveitei o momento e lhe proporcionei uma visita escolar ao museu dizendo se tratar de uma exposição artística. “Desde quando pipi é bonito, pai?” Crianças… Ainda não sabem que arte não tem nada a ver com beleza. Por isso exposições como as do Santander e a do MAM têm de ser levadas às escolas e canais infantis de televisão, para que os infantes aprendam a tolerar o diferente, a respeitar a diversidade.

Quando estava no caminho da cozinha encontrei meu primogênito. Foi sua vez de ser reacionário e preconceituoso: “Credo, pai, vai se vestir!” Expliquei, altiva e serenamente, como um Gandalf a iluminar hobbits, do que se tratava. Ele indagou: “Mas você só fica pelado ou vai apresentar algo assim?” Nada como um menino questionador dos tabus da sociedade patriarcal brasileira. Pedi um tempo para responder porque até então eu achava que era só isso mesmo, ficar pelado, mas vai que havia algo mais?

Então, antes de sair à rua, voltei ao computador para pesquisar mais. Houve performance mesmo, uma leitura interpretativa da obra Bichos, da Lygia Clark. Fui ver do que se trata a obra original. São esculturas bem simples, geométricas, com cada parte parecendo umas dobradiças, criando a ideia de linha orgânica, segundo os experts. Eu só vi uns trecos retorcidos, pareciam as esculturas de massinha dos meus filhos. Enfim, o que interessa é que o espectador faz parte da obra, tem de interagir com ela, o que faria com que essas linhas orgânicas se transformassem em formas de bichos e ganhassem a característica de obra viva. Segundo a própria artista: “um organismo vivo, uma obra essencialmente atuante. Entre você e ele se estabelece uma integração total, existencial. Na relação que se estabelece entre você e o Bicho não há passividade, nem sua nem dele”.

Eita, não há passividade. Será que terei de explicar isso na plaquinha do pescoço ou todo mundo vai entender de primeira e vir me apalpar? Achei melhor assistir a vídeos da apresentação do rapaz de pênis regredido para saber melhor como proceder. Haters dirão que a única integração total existencial possível nessas performances seria uma relação sexual. Seria lindo, verdadeiro marco na história das artes plásticas, mas nossa sociedade ainda está como o pênis do artista, temos muito a evoluir nesse ponto. Não encontrei registro de relação sexual consumada durante essas apresentações. Imagino ninguém chegará a tanto comigo na rua. Mas, como todo artista, terei de estar aberto ao diferente, ao diverso e tudo é possível.

Enfim, não me basta estar pelado, preciso interagir com meus espectadores. Como farei isso? Já que é para imitar bicho, pensei em um leão, mas careço da virtude da homoafetividade e meu urrar ia parecer apenas arroto mesmo. Acho que seria de mau gosto. Pensei num macaco, então, mas meu condicionamento físico não me permite movimentos bruscos constantes. Um elefante, que tal? A tromba estava resolvida – fake news! –, mas e as orelhas? Além disso, é um animal pouco interativo também. Quer saber, serei criativo e inventarei meu próprio bicho. Meu corpo, minhas regras.

Logo volto para contar como foi.

Pois, então. Não deu certo. Não consegui nem sair de casa. Fui fazer um teste com os espectadores do lar e ninguém compreendeu minha performance de protesto. Saí a caminhar pela casa brincando de pintocóptero, mas assim que meus filhos viram saíram correndo gritando: “Meus olhos! Meus olhos!”. Só minha esposa interagiu, mas foi como um guarda florestal, trancando-me na jaula. Achei racista da parte dela. Demorei algumas horas a convencê-la a me deixar sair de casa para trabalhar. Quando consegui, porém, desisti. Até o clima é nudistofóbico.

Agora estou aqui com cara de oprimido e suado demais na região do Chuí geográfico do meu corpo, minhas regras. Terei de passar um álcool gel na cadeira para poder continuar trabalhando na coluna da semana que vem. Se bem que, se eu expuser a cadeira no MAM, periga eu ganhar algum prêmio. Acho que comecei a entender melhor esses artistas de hoje em dia.

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