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Eddie Van Halen se apresenta no Billboard Music Awards, em 2015; o músico faleceu em 6 de outubro de 2020.
Eddie Van Halen se apresenta no Billboard Music Awards, em 2015; o músico faleceu em 6 de outubro de 2020.| Foto: Ethan Miller/Getty Images North America/AFP

Semanas atrás, enquanto aguardava na sala de espera de uma clínica oftalmológica, com a tevê ligada no programa da Fátima Bernardes entretendo ninguém, nem uma senhorinha ao meu lado que preferiu jogar paciência no celular, adentrou retumbante um sujeito próximo dos 60 anos, mas talvez tivesse menos idade, vestido como um motoqueiro dos anos 70, fazendo às vezes de máscara a bandana dos cabelos compridos grisalhos ensebados, desenhada com caveirinhas amarrotadas, segurando nas mãos seu smartphone tocando no viva voz em volume máximo alguma coisa que devia ser hard rock.

Se você cansou de ler o parágrafo numa frase só, imagine eu e a senhorinha que tivemos de passar quase uma manhã inteira aturando isso, sem vírgulas para respirar entre uma música e outra porque o cosplay de Dennis Hopper em Easy Rider não deixava nenhuma terminar e saltava de uma faixa à outra desperdiçando-a como os anos de sua vida? Nada contra hard rock, de que gosto, aliás, mas tudo contra quem escuta música em celular sem fone de ouvido. Qualquer coisa que estivesse escutando teria o mesmo som, aquela maçaroca aguda sem graves fazendo o bumbo da bateria soar tão estridente quanto um falsete do David Lee Roth.

Lembrei desse jovem amaracujado nesta semana por causa do falecimento de Eddie Van Halen. Quando piá de tudo, queria ser guitarrista. Mas como guitarrista, eu era esse velho da motoca, não tinha talento, apenas vontade. E Eddie era dos que eu mais admirava. Talvez seja dos guitarristas mais invejados por outros guitarristas, aliás, pelo talento impressionante e a originalidade que influenciou praticamente todo mundo, surgindo uma multidão de clones em bandas muito semelhantes ao Van Halen.

Para além da história de sempre desses astros do rock, de luta perene contra o vício em álcool e drogas, descobri que o queria para amigo. Amigo mesmo

Reescutar o primeiro disco da banda, de 78, é constatar de novo e sempre o quão “fora da curva” Eddie era, como na “clássica” Eruption, segunda música do disco, que é uma aula obrigatória para todo pretenso guitarrista. Certamente o velho da motoca deve estar fazendo air guitar em filas de supermercado escutando-a nesta semana. E, imaginando a cena, sorrio, simpatizando um tantinho com o sujeito. E lá vou eu, comovido, cantar junto com o velhote Where Have All The Good Times Gone!

O melhor de Eddie era que não tornava tudo o mais na música coadjuvante de sua guitarra, como tantos virtuoses fazem, mas tinha profundo respeito pela harmonia e se preocupava com a melodia como poucos, como na música mais famosa da banda, Jump, em que seu solo é curto e casa perfeitamente com o sintetizador, que é o grande protagonista. E é por isso que Joe Satriani, outro grande guitarrista contemporâneo de Eddie, disse que “Eddie devolveu o sorriso à guitarra de rock, em um momento em que tudo estava ficando meio taciturno”. É difícil não concordar escutando as músicas do Van Halen e, principalmente, seus shows. E a essa altura, você me desculpe, leitor em sala de espera, já estou aqui também com o som no talo berrando Panama.

Com sua morte, no último dia 6, não só revisitei os discos do Van Halen, mas também quis saber mais sobre quem foi Eddie Van Halen. E para além da história de sempre desses astros do rock, de luta perene contra o vício em álcool e drogas, descobri que o queria para amigo. Amigo mesmo. Veja se estou errado. Eddie não escutava praticamente música alguma. Sério. Tirando seu início de carreira, antes de ter uma, na verdade, tinha em Eric Clapton o grande modelo, mas depois praticamente não acompanhou mais nada, sendo que o último disco que comprou foi do Peter Gabriel, em 86. No funeral do guitarrista do Pantera, chegou a discursar e tudo, mas pergunte se conhecia as músicas? Necas. Ele não conhecia nem as bandas que abriram os shows do Van Halen.

Na entrevista que citei, onde falou sobre isso também, perguntou: “Isso me torna um idiota?” Não para mim, Eddie, não para mim! E completou: “É estranho, mas fui assim minha vida toda. Não poderia gravar um disco contemporâneo, porque não sei como a música contemporânea é”. Você duvida? Pois repare bem nesta história maravilhosa. Eddie foi o guitarrista na gravação da antológica Beat It, do Michael Jackson, que era impossível alguém não conhecer à época. Pois Eddie não sabia quem era: “Engraçado como falam disso. Foram 20 minutos da minha vida. Não quis ganhar nada para fazer isso... Eu literalmente pensei: ‘Quem vai saber que toquei no disco desse garoto?’”. Como não querer ser amigo de um cara assim?

Outra coisa que me fez mais fã é a forma como ele falava sobre as tretas com as mudanças de vocalista do Van Halen. Um deles, Gary Cherone, que foi o vocalista do Extreme, uma dessas bandas de uma música só (no caso, More Than Words),ficou três anos nos vocais do Van Halen. Até que um dia, segundo Eddie, “estávamos prontos para sair em turnê e, de repente, vejo um traje à la John Travolta – essas lapelas gigantes e um paletó esquisito. E Gary disse: ‘É meu traje de palco’. Ali eu me dei conta de que não funcionaria. Mas não desgosto de todo do Gary”. Como não querer saber mais histórias dessas?

Como aquela sobre David Lee Roth, o primeiro e icônico vocalista que retornou à banda na sua fase final. Eddie disse em 2015: “Como posso dizer isso: a percepção do Roth de si mesmo é diferente de quem ele é na realidade. Não estamos nos nossos 20 anos mais. Estamos nos 60. Comporte-se como tendo 60. Eu parei de pintar meu cabelo, porque sei que não voltarei a ser jovem mais”. Como não imaginar Eddie naquela sala de espera olhando com desalento o velhote sem estrela, um Gary Cherone sem voz, mas com outfit digno dos embalos diários dos 70’s? Não é difícil imaginá-lo a se arrepender de tudo que gravou, afinal, se foi para isso... Mas daí eu lhe pediria licença, mandaria às favas o distanciamento social, ofereceria para dividir meu fone de ouvido e o colocaria para escutar seu próprio som, começando por Dreams, canção que tem o pior e o melhor dos anos 80. Tenho certeza de que não demoraria para que batêssemos os pés no ritmo da música, já ignorando o tiozão sem noção, cantarolando baixinho: “E no final dos sonhos vamos depender / Porque é disso que o amor é feito”. Porque existe uma nostalgia que é mera negação do presente, mas há outra quando o passado não reconhece seu lugar e se faz presente, tornando-se uma marca da eternidade onde I get up and nothing gets me down. Que Deus o tenha, Eddie, e obrigado.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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