Lá pelos idos de 2010, participei de um grupo de estudos em que os integrantes apresentaram uns aos outros algum livro que estavam a ler e estudar. O meu era O Grande Código, de Northrop Frye, um famoso crítico literário.
Mas não fiquei apenas nele, mergulhando em boa parte da vida e obra do autor, uma experiência da qual saí me tornando professor, trabalhando com o que chamo, baseado muito no que aprendi com Frye, de educação da imaginação e formação do imaginário.
Revisitei seus livros nos últimos meses para escrever um ensaio que sairá em um livro sobre formação do imaginário. Lembrei-me, durante a releitura, da semelhança da situação de Frye com a vivida por Osman Lins, que além de escritor também foi professor universitário. Uma realidade que não ficou no passado, infelizmente. Abaixo, compartilho um trecho desse ensaio:
Osman Lins lecionava Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília e percebeu o mesmo que Northrop Frye: que os alunos chegavam à faculdade sem saber o básico
“Quando Frye estava no começo de sua carreira acadêmica no Canadá, como professor no departamento de inglês do Victoria College, surpreendeu-se com a dificuldade que os alunos traziam de sua formação básica de não reconhecerem os arquétipos e alusões bíblicas na literatura. E, sem isso, é impossível compreender devidamente a literatura ocidental.
Frye, então, percebeu que ou essa lacuna da formação dos alunos era preenchida ou o ensino superior seria inviável. Como escreveu na introdução a seu segundo livro sobre a relação da Bíblia com a literatura, Palavras com Poder: ‘De tempos em tempos aparecem livros nos contando que o establishment educacional traiu nossa herança cultural e permitiu que os jovens crescessem ignorantes de suas tradições’.
Era preciso fazer alguma coisa e foi o que ele fez ao criar um curso, já no começo de sua carreira, ensinando sobre a relação da Bíblia com a literatura. Continuou lecionando por décadas, culminando nos livros citados, escritos mais para o público geral do que o especialista, pois percebia que a solução teria de vir de fora da universidade. Seu livro A Imaginação Educada é a melhor demonstração disso, composto de transcrições de palestras dadas em um programa de rádio.
O que isso tem a ver com o Brasil? Nossa debacle educacional é muito pior do que a canadense, mas guarda semelhanças que não são coincidências. Já em 1976, o escritor Osman Lins denunciava em suas colunas de jornal, publicadas no livro Do Ideal e da Glória – Problemas inculturais brasileiros, um estado de coisas parecido com o descrito por Frye no Canadá.
Osman também era professor, lecionando Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília. Ao perceber o mesmo que Frye, que os alunos chegavam à faculdade sem saber o básico, decidiu fazer um simples teste para avaliar o tamanho do problema, um questionário pedindo aos alunos que citassem coisas como: ‘cinco grandes nomes (não brasileiros) da Literatura Universal’*. Dos 90 alunos, apenas 20 foram capazes de citar cinco nomes, sendo que 17 não conseguiram dizer nenhum.
Mais assustador era o que Osman constatou de seus pares, os professores: ‘Apesar das insuficiências dos alunos, altamente imaturos e despreparados, continuam os professores a organizar e ministrar seus cursos de graduação como se tivessem diante de si alunos ideais, ou, ao menos, com alguma leitura, quando não são raros os que chegam à faculdade sem nunca terem lido uma obra literária sequer’.
Tentando encontrar uma solução, Osman decidiu pedir a suspensão de seu contrato, sem vencimentos, justificando com base no acima exposto, para refletir sobre a situação. Entretanto, o pedido não foi aceito e sua justificativa considerada ‘irrelevante’ pelo Conselho Superior da faculdade. Osman não teve alternativa senão se demitir, abandonando ‘espero que em definitivo, não só a Escola, como o ensino superior’.”
* Do artigo Reflexões sob um Quadro-Negro, de onde são também as citações no parágrafo posterior.
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