Lá se vão 100 anos da Revolução Russa e das aparições de Nossa Senhora de Fátima. Dois eventos que ocorreram praticamente ao mesmo tempo durante todo aquele ano de 1917. Ambos estão relacionados por conta da profecia de Nossa Senhora afirmando que se a Rússia não lhe fosse consagrada, seus erros se espalhariam pelo mundo. Pois foi o que aconteceu.
Do comunismo russo o que mais se conhece é o estado totalitário construído a partir da revolução e que só veio a ruir em 1991. Mas pouco ainda é falado sobre o ideal que o animava e o objetivo que dele decorria: a reforma da natureza humana. O historiador Orlando Figes, em seu magnífico A Tragédia de um Povo (A Revolução Russa – 1891-1924), documentou muito bem como o estado totalitário soviético era, na verdade, uma máquina de reforma da natureza humana e, por consequência, de toda a sociedade. A essência do comunismo pode ser descoberta em diversos documentos históricos, mas esse discurso de Trotsky transcrito no livro de Figes resume isso o suficiente:
“Produzir uma versão revista do ser humano – eis a futura tarefa do comunismo. E para tanto, antes de mais nada, precisamos descobrir tudo sobre ele, sua anatomia, fisiologia, e esta parte chamada psicologia. O homem deve sentir-se como matéria prima ou, na melhor das hipóteses, como produto semi-manufaturado e dizer: finalmente, meu caro homo sapiens, operarei em você.”
O processo dessa operação foi bem descrito pelo historiador austríaco René Fülöp-Miller, em sua obra The Mind and Face of Bolshevism: An Examination of Cultural Life in Soviet Russia, publicada em 1927. Disse ele que, primeiro, o comunismo busca dissolver a individualidade humana para depois substitui-la por um “novo homem” que seria chamado “O Homem Coletivo”. Ou seja, cada um de nós seria uma célula num organismo vivo ou uma peça na engrenagem de uma máquina.
Para tanto, não foi preciso todo o estudo prévio pedido por Trotsky, por conta das descobertas do famoso cientista Pavlov com seus experimentos com reflexos condicionados dos cães. Esses experimentos eram considerados por Lênin como algo da mais alta importância para a revolução. Para se ter uma ideia do quão importante era, em 1921, quando a Rússia inteira sofria com desabastecimento e a fome se espalhava por todo o país, Pavlov foi dos poucos a receber mais cupons de comida do que altos funcionários do governo. Também ganhou uma verdadeira mansão para morar e montar seu laboratório e, mais significativo, embora não houvesse mais papel na Rússia, Pavlov recebia o quanto quisesse para poder registrar suas conclusões. Era um sujeito repleto de regalias e privilégios.
A principal descoberta de Pavlov foi a possibilidade de reorientar sem dificuldade os reflexo de um cão ao mesmo tempo em que o desorientava. É precisamente isso que o regime soviético fez com a população russa. Iniciou-se um processo de engenharia social constante e incansável através da desorientação e concomitante reorientação. Obviamente, os alvos escolhidos só poderiam ser aquilo que até então orientara o ser humano na vida, ou, nas palavras dos comunistas, aquilo que o “condicionara”: a família.
Pode-se dizer que o ataque começou pela mulher. De um lado, pregavam sua “libertação” do patriarcado. É quando surge o feminismo como o conhecemos hoje. Duas grandes bandeiras foram escolhidas por primeiro: tornar o divórcio e o aborto um direito, o que foi feito sem dificuldade. Para tanto, era indispensável promover a revolução sexual, ou seja, o amor livre, a amizade erótica e acabar com a monogamia. Resultado: na década de 1920 a taxa de divórcio na Rússia era 26 vezes maior do que no restante da Europa.
Mas se de um lado lutavam pela suposta emancipação da mulher, de outro fomentavam o oposto. Em Saratov, por exemplo, baixou-se um decreto nacionalizando a mulher, extinguindo o casamento e dando aos homens o direito de se saciarem à vontade em bordéis licenciados pelo Estado. Já na província de Vladimir foi criado um “Comitê do Amor Livre” que decretou que todas as mulheres entre 18 e 50 anos tinham de se cadastrar para futuros encontros sexuais. Ou seja, depois dos 18 anos a mulher se tornava propriedade do Estado e os homens poderiam escolher qualquer uma do cadastro a fim de procriarem no interesse do regime. E a mulher não tinha nenhuma liberdade, nem de escolha: era obrigada a acasalar e parir.
Dá para entender tamanha contradição? Só se você compreender que a finalidade nunca foi libertar a mulher de nada, mas apenas dissolver a moralidade reinante, desorientar a conduta e confundir a inteligência. Ou seja, contradições como esta paralisam a mente, que se vê impotente diante de tamanha malícia, o que vai dissolvendo as resistências morais e psíquicas, para que aquilo que se quer reformar na personalidade das vítimas possa ser efetivado. Essa finalidade de reorientação era escancarada quando olhamos para o que fizeram com as crianças. Em um Congresso sobre a Educação Pública, em 12918, Lilina Sinoviev, uma das precursoras do ensino soviético, assim se pronunciou:
“Devemos fazer da geração jovem uma geração de comunistas. As crianças, como cera, são muito maleáveis e devem ser moldadas como bons comunistas. Devemos resgatar os infantes da influência nociva da vida familiar. Devemos racionalizá-los. Desde os primeiros dias de sua existência, os pequenos devem ser postos sob a ascendência de escolas comunistas para aprenderem o ABC do comunismo… Obrigar as mães a entregar seus filhos ao Estado Soviético – eis nossa tarefa.”
E fizeram isso mesmo. Ao mesmo tempo que se desorientavam os pais, entortavam-se os filhos através da doutrinação explícita. E como atacaram os pais de família, os homens? Bem, o discurso era de libertação do povo da opressão do regime czarista anterior. Por outro lado, nunca antes o homem foi tão oprimido. Essa desorientação/reorientação se deu no mundo do trabalho. Lênin era entusiasta do taylorismo, ou seja, da administração científica que visava tornar os empregados obedientes e verdadeiras máquinas de eficiência, e também admirava o fordismo, ou seja, a produção em massa inventada por Henry Ford.
A ideia, assim, era padronizar os homens o máximo possível, torná-los “homens-massa”, obedientes às diretrizes comunistas e eficientes ao máximo às ordens dadas. Tanto era isso que Lênin queria que, em 1924, ele censurou uma obra satírica do escritor Zamiatin, que vendo o que estava sendo feito, escreveu uma história intitulada “Nós”, na qual os homens eram transformados em robôs controlados. Essa sátira foi considerada tão perigosa que permaneceu proibida por mais de 60 anos na Rússia. Aliás, foi precisamente ela que inspirou George Orwell a escrever a sua obra mais famosa: 1984.
No campo da arte, aliás, Lênin pregava a necessidade de uma revolução cultural (antes de Gramsci, portanto) que visasse essa reforma da natureza humana. O que ele começou através da ciência, Stálin continuou com a arte, considerando os artistas como “engenheiros da alma humana”. A tática era a mesma. Primeiro: rejeitar e destruir toda a arte tal como concebida até então. É daí que surgiram as frases famosas de Maiakovski – “É tempo de tiros vararem os museus” – e do poeta Kirilov: “Em nome de nosso amanhã queimemos Rafael, destruamos os museus, esmaguemos as flores da arte”.
Ao mesmo tempo, tentava-se criar novas formas de expressão e de formação do imaginário da futura civilização socialista. Desse objetivo nasceu o construtivismo russo que nas artes plásticas teve influência brutal em todos os movimentos artísticos do século XX, como o cubismo e arte abstrata. Qual a consequência dessa dupla ação de, por um lado, destruir tudo que veio antes e incensar o “novo” produzido agora? Simples, ninguém mais sabia dizer o que era arte, só se aceitava aquilo que vinha com o selo de aprovação comunista.
No campo da religião, a dissonância cognitiva foi ainda mais devastadora. Por um lado, toda religião era considerada “o ópio do povo”. Foram proibidas. Por outro lado, o comunismo se tratava como religião. Gorki, por exemplo, disse em um de seus romances que “a humanidade seria o ser divino e o coletivismo seria o espírito santo.” E criaram ícones de Lênin e depois de Stálin para substituir ícones de santos, mas mantendo o contexto de devoção. Casamentos, por exemplo, eram celebrados nas fábricas, diante de um ícone de Lênin. Além disso, utilizavam as “armas” da religião para seus fins. Foi assim que imitavam as procissões em dias santos para “sacralizar” os seus dias de comemoração. O dia 1º de maio, dia do trabalhador, era celebrado com grandes procissões nas quais os símbolos não eram a cruz e outras imagens cristãs, mas rifles, foices e a estrela vermelha.
Enfim, não houve setor da vida humana que os comunistas não tenham atacado para, ao mesmo tempo, desorientar, destruir, confundir, dissolver e reformar. Deu certo? E como deu. Ou o leitor vai querer me dizer que estamos distantes no tempo da liberdade sexual quase incondicional e do moralismo mais puritano do politicamente correto? Distantes do direito ao divórcio e ao aborto como solução de vida? Da doutrinação escolar? De vermos homens insignificantes esmagados pelo mundo do trabalho repetitivo e maçante? Estamos distantes da contra-cultura tomada como valor em si e também a cultura dominante? E o que dizer da completa confusão em saber o que seja arte e religião? Já se esqueceu do que ocorreu na tal exposição sexual do Santander? É pura dissonância cognitiva, aquilo.
Você pode não ser católico, achar uma bobajada essa história de milagres, ser ateu, o que for, mas confesse que é muito impressionante a história do século XX quando vista à luz das aparições de Nossa Senhora de Fátima. Ou você vai me dizer que teve mais alguém que, em 1917, com a Primeira Guerra Mundial acontecendo, foi capaz de enxergar e dizer que o que acontecia na Rússia seria o evento mais significativo para os próximos 100 anos (e contando) da humanidade? Mais ainda, dizendo que aquilo era um erro, vários erros, e que iriam se espalhar pelo mundo? Só por Deus mesmo.
Em uma dessas aparições, Nossa Senhora mostrou o inferno aos pastorinhos. Em seguida, ensinou-lhes uma oração jaculatória belíssima, que tento sempre rezar. Sempre que revisito essa história da Revolução Russa e suas consequências, o que significa enxergar também o inferno, em certo sentido, sinto-me impelido a rezar essa jaculatória. Não seria diferente aqui, pelo contrário: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem. Amém.”
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