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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Vidas efêmeras

O aborto, as cerejeiras e o Amor

As cerejeiras são famosas no paisagismo urbano durante o inverno. Foto: Pixabay.
(Foto: Pixabay)

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Uma criança de 11 anos… Grávida… Um bebê de 7 meses… Assassinado.

Ontem minha esposa me chamou a atenção para as cerejeiras começando a florir antes da hora aqui em Curitiba. Essa floração dura poucos dias, tornando um privilégio conseguir contemplar a explosão cor-de-rosa a nos fazer mirar mais alto, depois ao vento soprando as pétalas, espalhando-as pelo chão, onde o olhar enfim repousa, grato pelo que viu, esperançoso porque voltará a ver.

No Japão, a cerejeira é uma árvore-símbolo do país e esse curto período de sua floração demarca o Hanami, o fim de um ciclo e começo de outro. É o “ano novo” japonês, acontecendo no fim do inverno e começo da primavera, marcando o início do ano fiscal e do ano letivo, por exemplo. A floração das cerejeiras é tão importante para eles que os noticiários da tevê a acompanham diariamente.

Há uma lenda japonesa sobre a origem disso que acho belíssima. No Japão antigo, os senhores feudais viviam em guerra, sendo raros os intervalos de paz. Havia uma floresta que era poupada nas batalhas, pela beleza de suas árvores frondosas que exalavam perfumes delicados. Ali a guerra não entrava.

No Japão, a flor de cerejeira tornou-se símbolo do amor. E, como sua florada é breve, une-se ao símbolo o significado da efemeridade da vida que, no entanto, sempre se renova

Nessa floresta, uma árvore se destacava, não por sua beleza, mas por nunca florescer. Embora estivesse cheia de vida, dos seus galhos nunca nasciam flores, parecendo sempre magra e seca, como se estivesse morta. Nenhum ser humano a contemplava, os animais evitavam dela se aproximar, nem mesmo a grama crescia em torno. A solidão era sua única companhia.

Em uma noite, uma fada apareceu e fez uma proposta: com sua magia, daria à árvore, por 20 anos, o poder de sentir o que um coração humano sente, podendo se tornar uma pessoa quando desejasse, voltando a ser árvore quando preferisse. Entretanto, se depois dos 20 anos não recuperasse a vitalidade e brilho, enfim florescendo, morreria imediatamente.

A árvore aceitou, mas, ao se tornar humana, decepcionou-se com o que testemunhava: apenas guerra, ódio, banho de sangue. Os anos foram passando, sem que sentisse que valeria a pena florescer, sem conseguir florescer. Até que, em uma noite, estando na forma humana, caminhou até um córrego cristalino e lá viu uma bela jovem. Impressionado por sua beleza, aproximou-se, ajudando-a a levar água até sua casa, que ficava próxima.

Quando ela lhe perguntou seu nome, respondeu “Yohiro”, que significa “esperança”. Tornaram-se amigos, todos os dias se encontrando para conversar, cantar, declamar poemas e ler livros de histórias maravilhosas. Quanto mais ele a conhecia, mais desejava ficar ao seu lado. Descobriu-se apaixonado e se declarou, confessando quem realmente era. A jovem, chamada Sakura, ficou muito impressionada e silenciou, afastando-se. Yohiro, a cada dia mais triste, voltou a assumir a forma de árvore, sem conseguir florescer.

O tempo foi passando e o prazo de 20 anos estava prestes a terminar, quando Sakura reapareceu, abraçou-o e disse que também o amava, que não queria que ele morresse. Então, a fada surgiu novamente e fez outra proposta, agora para Sakura: se ela preferia permanecer humana ou fundir-se com Yohiro na forma de uma árvore. Sakura olhou em volta, pensando nos campos de guerra desolados, e escolheu, então, se fundir para sempre com Yohiro. E a mágica foi feita, com os dois se tornando um.

A árvore, então, floresceu, brotando pétalas cor-de-rosa delicadas e belas, destacando-a de todas as demais árvores, chamando a atenção dos homens, que deram às flores o nome de Sakura, que significa “Flor de Cerejeira”. A flor de cerejeira tornou-se, assim, símbolo do amor. E, como sua florada é breve, une-se ao símbolo o significado da efemeridade da vida que, no entanto, sempre se renova.

Fico a imaginar Deus contemplando esse bebê durante os sete meses em que viveu, por graça do seu Amor, independentemente do amor humano que o concebeu, se existente ou não

Quando o “debate” do aborto explode, disparado por algum caso concreto dramático (sempre será dramático), evito entrar no campo de batalha. Fico a pensar no sofrimento, que não terminará quando alguma “solução” é dada, seja pela vida ou pela morte. A criança cujo bebê de 7 meses foi assassinado em seu ventre, por exemplo, carregará o sofrimento por muito tempo. Se o bebê não fosse abortado, mas dado em adoção, ou por ela criado, também não significaria que o sofrimento acabaria. E a exibição pública, motivada por combatentes que só querem ganhar a guerra, não salvar alguém, apenas aumentou esse sofrimento.

Estou a imaginar esse bebê assassinado. Não um bebê genérico, mas esse, com seu coração batendo, sentindo a união amorosa com a mãe, alegrando-se junto, entristecendo-se junto, sofrendo junto, até seu pequeno coração, do tamanho de uma pétala, começar a acelerar quando algo estranho o agarrou, agonizando enquanto o “procedimento de interrupção da gravidez” se realizava... Até parar... morrer.

Fico a imaginar Deus contemplando esse bebê durante os sete meses em que viveu, por graça do seu Amor, independentemente do amor humano que o concebeu, se existente ou não. Fico a imaginar Sua dor contemplando o livre arbítrio humano a matá-lo. Mas nem toda maldade do mundo é capaz de apagar a existência desse bebê por sete meses. Uma existência que, se para alguns é duvidosa (certeza ninguém tem, não é mesmo?), para outros que, na dúvida, preferem não matar, ele viveu como uma flor de cerejeira.

Do Amor esse bebê veio e para o Amor voltou. A brevidade de sua vida entristece, mas a realidade da existência de um Amor maior, no mínimo, consola

E a imaginar Deus continuo, agora a recolher essa florzinha que será esquecida pelo vento da insanidade indo soprar em outros campos de batalha. Estou a imaginar esse bebê sendo recolhido e guardado no Sagrado Coração, que a tudo contém e tudo refaz. E sinto seu pequeno coração reviver, batendo de novo, sentindo a união amorosa com Ele, alegrando-se junto, entristecendo-se junto, sofrendo junto, amando junto.

Do Amor esse bebê veio e para o Amor voltou. A brevidade de sua vida entristece, mas a realidade da existência de um Amor maior, no mínimo, consola. E até alegra, a depender do tamanho da sua fé e esperança. Como disse Emily Dickinson: “Tudo o que sabemos sobre o amor é que o amor é tudo o que existe”. Por isso, as cerejeiras sempre voltam a florescer.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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