Lá pelos idos de 2005, William Bonner se viu envolvido numa controvérsia sobre a forma como enxerga o público médio do Jornal Nacional, a maioria a quem ele tenta informar de sua bancada e que exemplificou como sendo como o personagem Lineu, do seriado A Grande Família, ou Homer Simpson, de Os Simpsons. Segundo Bonner: “Nos dois casos, refiro-me a pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à tevê depois da jornada de trabalho. No fim do dia, cansados, querem se informar sobre os fatos mais relevantes do dia de maneira clara e objetiva. Este é o Homer de que falo”.
Bonner não via tal personagem de maneira negativa, pelo contrário. Citando um texto do site oficial do seriado dos Simpsons, esclareceu qual era sua visão de Homer: “um marido devotado e que, apesar de poucas fraquezas, ama a sua família e é capaz de tudo para provar isso, mesmo que isso signifique se fazer passar por tolo”. Bonner se identificava com esse personagem, inclusive, por também se considerar “trabalhador, pai de família protetor, meio Lineu, meio Homer”.
Será que continua a ver seu público assim? Foi-me impossível não me perguntar isso assistindo à entrevista feita por ele e Renata Vasconcelos com o presidenciável Jair Bolsonaro na última terça-feira. Porque não me parece que esse Homer de Bonner teria respondido às perguntas feitas de maneira muito diferente do candidato. Jair Bolsonaro foi um pretenso protetor da família, conservador, “sem curso superior”, que apesar de suas fraquezas é capaz de tudo para defender o que ama, mesmo que isso signifique se fazer passar por tolo – ou fascista, como boa parte da imprensa o considera. Mas, pela reação dos âncoras, pelo visto Homer bom é Homer em casa. E calado.
O que esta entrevista deixou mais do que evidente, de forma poderosamente simbólica, é o descolamento total da elite brasileira da realidade dos Homers de carne e osso. A maioria das perguntas, a reação diante das respostas e o pânico mascarado de ultraje quando o candidato os confrontou com sua própria realidade revelaram aos Homers de casa que talvez o Homer presidenciável não seja lá essas coisas, mas está muito mais próximo da realidade do seu dia a dia do que aqueles jornalistas com ar de superioridade paternal achando que sabem mais o que lhes interessaria ou seria melhor. Caso assista novamente à entrevista, caro leitor, repare como Bonner abusou dos superlativos nas perguntas: “Vamos falar de economia, candidato, que é um tema caríssimo a todos os brasileiros…”, e depois vieram outros “íssimos”, como se estivesse ensinando ao candidato o que seria importante.
A entrevista teve vários momentos antológicos, mas para mim nenhum simboliza melhor o descolamento da realidade dessa elite do que a pergunta sobre segurança pública. Bonner lembrou que o candidato disse que violência se combate com energia, inteligência e, se for o caso, com mais violência ainda. Alguém aí acha isso errado? O jornalista, sim. Escandalizado com essa última parte, repetiu-a vagarosamente, fazendo a pergunta: “Como o senhor acha que os brasileiros que vivem nessas comunidades dominadas por traficantes, que são vítimas desses tiroteios tão frequentes, como é que elas recebem uma afirmação como essa sua?”
A pergunta deveria ser feita aos brasileiros dessas comunidades, é óbvio, mas, quando os jornalistas estão tão convictos do que é importantíssimo para os brasileiros, para que consultá-los, não é mesmo? Mas a resposta do candidato não foi aquela que os “bonzinhos” elitistas gostariam de escutar, mas uma que me parece muito mais conectada com a realidade dos brasileiros das comunidades dominadas por traficantes: “Com mais violência ainda, que eu declarei sim isso daí que você falou, é que se o bandido lá está atirando com uma .762, o policial do lado de cá tem que ter uma .50; se ele tá com uma .50, você tem que ter um tanque de guerra do lado de cá.” A co-âncora, não satisfeita, quis mais explicações, e as recebeu: “Você vê bonde aqui no Rio de Janeiro, na Praça Seca, com 20 homens de fuzil. Como é que você tem de tratar essas pessoas? Pedindo para levantar as mãos, dar uma florzinha para eles ou atirar? Você tem de atirar. Se não atirar, não vai resolver nunca.” Bonner interveio nesse momento para dizer que inocentes iriam morrer também, ao que foi rebatido: “Então não vamos botar a tropa na rua, vamos deixar a PM aquartelada também”. Alguém aí tem alguma alternativa melhor?
Enfim, pode ser que os brasileiros dessas comunidades concordem com os jornalistas e não queiram que a polícia e o exército façam uso de violência para resolver o problema da insegurança pública, mas uma certeza é possível ter: certamente os traficantes concordam com os jornalistas. Por isso, devolvo a pergunta a William Bonner. Como será que os brasileiros que vivem nessas comunidades dominadas por traficantes, que são vítimas desses tiroteios tão frequentes, como é que eles recebem uma pergunta como essa sua?