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O Natal de Ângela e o Jesus Bebê

Imagem: Divulgação/Netflix (Foto: )

Milagre? Se você parar para pensar que é mais difícil a Netflix ter em sua grade de filmes algo como O Natal de Ângela do que Jesus aparecer em cima de um pé de goiabeira para salvar uma menina suicida, só pode ser milagre!

Duvido que alguém assista a essa animação e não se comova, ao menos um tantinho só. Basta isso para que o significado real do Natal se encarne em você, ao menos por instantes. E isso acontece por uma razão simples: a história está centrada na perspectiva de uma criança, Ângela, olhando para a realidade de um recém-nascido, Jesus.

Estamos tão acostumados a nos empanturrar de palavrório natalino que acabamos tendo congestão de significados. Mas, se prestarmos atenção apenas numa coisa, apenas nesse fato simples de que se trata do nascimento de um bebê, muito do esforço imenso que fazemos para fingir que natalizamos de verdade torna-se desnecessário. Por exemplo, a alegria do Natal. É concebível para alguém ir visitar um bebê recém-nascido na maternidade e não ficar alegre pelos e com os pais? E quando nasceu o seu filho, você ficou triste ou imagina que ficará, se e quando tiver um? Viu como não precisa de muito?

Outra obviedade decorrente dessa realidade. Perto de nascer, quem não fica ansioso e trata de deixar tudo pronto para a chegada do serzinho vivo? Daí as novenas natalinas, os retiros preparatórios, as mensagens de Natal, o tempo do Advento. E quando nasce, quem não celebra? E não celebra pouco, não. São Francisco de Assis, por exemplo, certa vez foi perguntado sobre como seus irmãos deveriam proceder num Natal que havia caído numa sexta-feira, dia de jejum. Respondeu: “Desejaria que em semelhante dia até as paredes comessem carne; mas, como não é possível, sejam ao menos untadas com gordura”.

Mas o olhar de Ângela para o bebê não é o de quem visita, de quem vai para a festa e vaza. Não, é olhar de mãe, é olhar de quem fica, de quem cuida. O que você faria se visse um bebê sem roupa num frio inclemente e parecendo não ter quem o cuide? Não é óbvio o que tem de fazer? Quem foi ou é pai e mãe sabe bem disso. Por mais “preparado” que se esteja, depois que nasceu mal dá tempo de tomar banho! O que tem pra fazer é muito e quase sempre evidente, ainda que o instinto não dê conta de tudo e muitas vezes só reste resolver por tentativa e erro. Bebê chorando? Não há tempo para estudar o caso, é hora de agir. Tenta dar o peito, trocar a fralda, fazer massagem para cólica, enfiar a chupeta, o que for, até parar. E você, vai dar uma de Haddad neste Natal e ir à missa ou culto só para fingir que se importa? Ou vai assumir a criança e começar a cuidar da sua alma com mais responsabilidade?

Se o Natal, para você, não é mais do que uma festa, que existe apenas na noite de véspera e, quando muito, no dia 25 de dezembro, da qual você participa como quem visita um parente que só vê no fim do ano, então é óbvio que a data não tem nada de mais, por maior que seja o seu esforço para lhe dar significado. Natal só é Natal quando fazemos como a Ângela que olha para Jesus e não vê Igreja, Natal, ritos, símbolos, mandamentos, celebrações, tradições, doutrinas, dogmas, história, nada disso. Até porque, quando Jesus nasceu tudo isso ainda era mato. O que Ângela vê é a realidade, apenas um bebê do qual falam, mas não cuidam.

Já ouviu aquela que diz ser preciso ter “um encontro pessoal com Jesus”? Pois ele começa aqui, nesta época, como Ângela faz. Não como quem reconta a mesma história, participa da repetição de uma festa, mas como quem vive na realidade o nascimento de Jesus. O filme comove porque nos devolve essa vivência. A vivência de algo belo, alegre, leve e renovador. Simbolicamente, o que Ângela faz e vive parece ser a repetição do que seu pai havia feito quando ela nasceu. A história parecia se repetir, mas termina de forma diferente porque o policial não aplica a lei dos homens, mas a de Jesus, que veio para fazer novas todas as coisas, a começar por quem não apenas o visita, mas o acolhe de verdade.

Quem assim o faz não se torna o pai ou a mãe do bebê Jesus, mas o próprio bebê que nasceu tendo o melhor Pai do mundo e com a garantia da salvação eterna, desde que permaneça Nele. E se não permanecer, bom, Ele também veio para redimir nossas faltas, perdoar, restaurar, renovar tudo. Basta se arrepender e voltar para a casa do Pai. Ora, isso é melhor do que ganhar um bilhete premiado de loteria “ziliardária”! Quem não ficaria muito alegre com isso? Quem? Sério, quem?

Algo tão bom assim só pode ser contagiante, como se vê no fim do filme com o padre, a vizinha, o policial, o cego, que na cena final nos transporta para uma perspectiva que não é mais a de Ângela, que nem sequer aparece ali, mas a perspectiva de Jó no fim do seu livro, quando Deus lhe deu a graça de O ver e Jó respondeu: “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos” (Jó 42,5). Quer ver também? É só mirar o bebê na manjedoura de um presépio. Mas com um olhar de Ângela, é claro.

A todos os meus leitores, fiéis ou eventuais, desejo um feliz e abençoado Natal! E ao bebê que nasce, tende piedade de nós que recorremos a vós. Amém.

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