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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

O Natal também chega pela porta dos fundos

Cena da animação "Klaus", disponível no Netflix.
Cena da animação "Klaus", disponível no Netflix. (Foto: Divulgação/Netflix)

Então é Natal, e o que você fez? Deu mais valor ao Porta dos Fundos do que a O Natal de Ângela, O Irlandês, O Céu é de Verdade, dentre outros títulos disponíveis no catálogo da Netflix que você cancelou por causa do especial de Natal dos porteiros? Compreendo esta decisão e espero surta efeito, mas penso diferente.

Propaganda negativa também é propaganda. Segundo o noticiário, o especial está sendo dos mais assistidos e já foi renovado para o ano que vem. Eu mesmo, por exemplo, nem sequer seria lembrado da existência do Porta dos Fundos se não fosse pelo pedido de cristãos melhores do que eu para cancelar a Netflix, e aí tive de assistir para saber se a ofensa seria tão grave assim que não compensaria mais assistir a futuras pérolas como as que listei acima.

Mas esse especial de Natal dos porteiros falhou miseravelmente. Não sei nem se serve como ofensa. Teria de ser minimamente engraçado para tanto. Por isso, é apenas constrangedor de tão ruim. Enfim, tem toda razão Reinaldo José Lopes em sua crítica ao especial publicada pela Folha de S.Paulo: “não é digno de desatar as sandálias de A Vida de Brian, sua influência óbvia”. Caso desconheça, A Vida de Brian é um “clássico” do grupo inglês Monty Python, que aliás também está disponível na Netflix, outra pérola desperdiçada por quem dá mais importância ao que não presta.

Esse especial de Natal dos porteiros falhou miseravelmente. Não sei nem se serve como ofensa. Teria de ser minimamente engraçado para tanto

No fim das contas, é apenas mais um tiro de estilingue na cansativa e tediosa brigaiada de sempre entre os pró e anti alguma coisa nesta chamada era da polarização que estamos a viver. Outro tiro nessa briga aconteceu nesta semana durante o programa Roda Viva, quando uma das entrevistadoras, Tati Bernardi, pediu dicas a Leandro Karnal sobre como perdoar seu pai por ter votado em Bolsonaro. Recebeu resposta inesperada: “Se vocês vão se encontrar para o Natal, Bolsonaro não é o melhor tema. E, se não há outro tema, a culpa não é da política”.

Karnal tem razão e Paulo Polzonoff Jr. já escreveu tudo que precisava ser dito sobre isso em mais um belo texto para esta Gazeta do Povo, mas aproveito o gancho da pergunta da entrevistadora para recomendar outro filme natalino que traz uma resposta mais do que suficiente. Trata-se da animação Klaus, produção original da (adivinhe?) Netflix, que traz uma cidade dividida em duas “facções” rivais cujo sentido de vida é odiarem-se mutuamente. Ou seja, bom retrato dessa polarização que vivemos. A mensagem do filme, que serve de resposta, é singela: um ato altruísta desperta outros atos altruístas.

Entretanto, a polarização que deixou todos iguais numa cidade cinzenta em que na primavera o cinza fica ainda mais claramente cinza, como disse um dos personagens, não parece ter começado a ser dissolvida por um gesto altruísta, pois Jespers, o protagonista que deu início ao processo, agiu de forma egoísta num primeiro momento e involuntariamente gerou os atos altruístas que devolveram a luz, as cores e a vida à cidade. Onde, então, estaria o ato altruísta inaugural?

No pai de Jespers. Tudo começou com sua decisão, de forma altruísta, de mandar seu filho para trabalhar como carteiro no pior lugar de todos, na esperança de que isso o amadurecesse, ainda que o filho o odiasse por isso. Por amor ao filho, o pai correu o risco de perder o filho. Isso não te lembra de alguma coisa? Deus que é Pai... Entregando o filho para ser crucificado... A história não parece ter referência, ainda que distante, à de Jesus Cristo, não? Tem, sim. E não é distante.

Não é porque os próprios personagens se referem à época do Natal desvinculada do Papai Noel que nem sequer existia ainda, o que significa dizer: se é Natal, com esse nome, e não tem Papai Noel ainda, “sobra” o Menino Jesus para explicar do que se trata, não? Ainda que nada se fale dEle, Sua presença acontece da forma como Saint-Exupéry expressou de forma imortal no seu Pequeno Príncipe: “o essencial é invisível aos olhos”. Mas se torna visível a quem enxergar com o coração.

O essencial se fez visível pelo “vento” que chamou a atenção de Klaus para Jespers, vento que sabia no coração ser conduzido por sua esposa falecida e ao qual se entregou no fim, consumando a lenda do Papai Noel. Sem o pai, nada começaria; sem esse “vento”, o “espírito do Natal”, nada teria sequência. Ou seja, embora a história do filme seja sobre o surgimento do Papai Noel, todo o fundamento de significado é cristão. E, se ainda não está convencido, vale lembrar da cena da “estrela de Natal” sendo colocada no alto da espinha do peixe gigante.

Você até pode tentar expulsá-Lo da sua vida, mas Ele sempre acaba voltando

Que belo símbolo do que nos tornamos e do quanto o Pai continua cuidando de seus filhos pródigos. Já vamos aí para séculos de uma confusão espiritual sem tamanho. Destroçamos o espírito, sobrou só a carcaça do que um dia foi. Mas então é Natal, e o que você fez? Está aí se reunindo com a família, ainda que não a perdoe, como a Tati Bernardi; está aí fazendo especial contra o Natal achando que é algo corajoso e engraçado, quando está somente cravando uma coroa de espinhos na cabeça de um bebê que nasceu para isso mesmo, para ser escarnecido antes de ser exaltado. Ou seja, está aí seguindo a estrela que anunciou a boa nova e mostrou o caminho para encontrá-Lo, ainda que não pareça ou pense que segue em sentido contrário.

Sei que falar em Jesus Cristo no Natal com quem no máximo só admite falar em “espiritualidade” é como colocar uva passa no arroz da ceia. Quem não gosta odeia com força e pode até fazer campanha contra, mas quem desses deixa de participar da ceia, apesar dEle? Você até pode tentar expulsá-Lo da sua vida, mas Ele sempre acaba voltando, ainda que seja pela porta dos fundos do seu coração.

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