Acompanhar a grande imprensa hoje em dia é como assistir a Game Of Thrones: você nunca sabe em quem confiar. Na série, quando você acha que um personagem é do bem, lá vai ele fazer maldades. Não dá para garantir nada até que o seriado termine, por mais que pareça tudo meio que definido nesta altura, aliás.
O jornalismo está igual ultimamente. Não importa se é jornaleco ou jornalão, emissoras de tevê, canais toscos do YouTube, sites sensacionalistas, novas mídias promissoras, o fato é que vai ficando cada vez mais difícil discernir o que não é fake news. Não falo aqui de erros humanos eventuais, de exageros retóricos, falo de manipulação de fatos. Exemplos não faltam, como bordéis em Westeros. Cito um bem recente.
O Estado de S.Paulo noticiou, no dia 26, uma pesquisa feita pelo Instituto Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas da política e do Judiciário. A manchete foi “Caciques tucanos têm desaprovação maior que a de Lula”. É verdade, mas nem de longe é o mais importante da pesquisa e faz o leitor parar longe, muito longe da realidade retratada, conforme se descobre pela mera leitura da matéria, pois que importa isso diante do aumento considerável da rejeição de todos?
Não à toa os especialistas ouvidos pela reportagem nem sequer se referem aos tucanos e Lula, destacando o desgaste generalizado da elite política que torna todo o cenário imprevisível e revela um desejo de renovação total. Somente três figuras tiveram aprovação maior que a rejeição: Sergio Moro, Joaquim Barbosa e Luciano Huck. Mas, como a rejeição a eles também cresceu, e não foi pouco, a pesquisa aponta mais para uma desconfiança geral em tudo e todos. Essa é a notícia, é evidente.
Ou seja, a opção do Estadão equivale a noticiar o Campeonato Brasileiro de futebol destacando a disputa entre o 11.º e o 12.º colocados. Faz sentido? Só para quem torce para esses times…
Pior ainda: segundo todas as pesquisas de intenção de voto feitas até aqui, quem está à frente são Lula e Bolsonaro, mas este nem sequer foi citado na matéria. Ora, mas sendo o único dos citados não comprometido com o establishment, é claro que, se tem alguém que pode “ganhar” algo com essa rejeição, é Bolsonaro: é o único capaz de angariar os descontentes de tudo que é a imensa maioria (Luciano Huck é apenas uma versão de João Dória, amigo dos bacanas que o povo não suporta mais).
Mas a imprensa brasileira vem tratando Bolsonaro como a americana tratou e ainda trata Donald Trump: diminuindo, subestimando, ridicularizando, tentando transformá-lo no Rei da Noite dos Caminhantes Brancos. Que a turma do establishment de governo e redações e universidades creiam sinceramente estarem a combater um mal, não tenho dúvida. Mas é aí que deveriam assistir ao último episódio dessa sétima temporada de Game Of Thrones para ver se tomam consciência de si.
Se você é spoilerfóbico, sugiro parar de ler agora.
Nos finalmentes da série, Jon Snow é o único a tentar reunir todos os inimigos para combater um mal maior: a zumbizada congelada. No último episódio ele ia conseguindo a adesão de Cersei Lannister, uma Gleisi Hoffmann com estirpe, quando Cersei o encurralou. Ela ajudaria se ele não assumisse lados na disputa entre as rainhas. Entretanto, ele já havia jurado fidelidade à Paula Toller dos dragões. E agora, João?
Mentir e jurar a Cersei seria totalmente desculpável, afinal, seria por um bem maior. Como ele mesmo disse: não havia mais guerras entre eles, havia uma só: a Grande Guerra. Se para vencê-la era preciso agir como um eleitor brasileiro a votar no mal menor da vez, que fosse. Mas aí Jon Snow surpreendeu. Numa história em que o heroísmo se confunde com martírio, ele se recusou, dizendo a verdade. Ninguém entendeu, todos criticaram e sua resposta não poderia ser mais nobre: “Não jurarei uma palavra que não poderei cumprir. Falem de meu pai, falem que foi isso que lhe matou. Mas quando um nortista faz promessas falsas, as palavras deixam de ter significado. E não haverá mais respostas, apenas mentiras aprimoradas. Mas mentiras não ajudarão nessa luta”.
Você pode achar tudo isso romantismo, tolice inútil e que se não fosse pelo anão remendar as coisas tudo estaria perdido. No entanto, esse olhar pragmático perderia de vista a vitória imensa de Jon Snow sobre todos ali. Sua atitude foi inspiradora. Por causa dela Théon decidiu tentar salvar sua irmã e reconquistar sua dignidade. Até Jamie Lannister se recusou a cumprir as ordens de Cersei usando a mesma justificativa de Jon: cumprirá sua palavra.
O ato de Jon Snow modifica todo o panorama moral da série, sempre ambíguo e feito de momentos heroicos sem continuidade. Aqui Snow não decidiu pelo que ajudaria na batalha entre a Vida e a Morte, mas por aquilo que transcende ambas e dá sentido à morte porque dignifica a vida. Quando o ser humano age assim, tanto faz o resultado final da Grande Guerra da Vida. No fim, ele já venceu a única guerra que interessa.
Voltando ao jornalismo, o abuso das fake news me parece causado exatamente por pretensos Jon Snows optando pela mentira para tentar evitar que um suposto Mal Maior venha a prevalecer. Mas isso não é ser jornalista, é ser militante. Isso não significa, por óbvio, que jornalistas não tenham opiniões e não as possam defender. É claro que podem e devem, mas isso deve ser feito no lugar próprio, em colunas, artigos de opinião, editoriais, como este texto, arcando com as consequências disso, é claro. Mas, quando se manipula os fatos e dados em manchetes e reportagens com aparência de notícia para forçar o leitor a olhar por um viés determinado, então é questão de tempo para que esse mesmo leitor se toque da empulhação e pare de confiar na imprensa também.
Não à toa em outra pesquisa recente, de junho, o Datafolha apontou que, dos jovens entre 16 e 24, anos apenas 10% confiam na imprensa. Ou seja, Winter is coming para o jornalismo, só não vê quem não quer.
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