Onde está Deus quando um desgraçado assassina quatro crianças de idade entre os 4 e os 7 anos, como ocorrido em Blumenau nesta semana? Ao começar a escrever veio a notícia deste crime hediondo, no dia em que se costuma meditar sobre a traição de Judas, sobre sua malícia, cujo resultado contemplamos na cruz hoje, Sexta-Feira Santa, dia de publicação desta coluna. Onde está Deus, meu Deus? Na cruz. E o mistério da cruz pressupõe iniquidade.
Momentos antes de render seu espírito, Jesus sentiu sede e lhe foi dado vinagre. Santo Agostinho, comentando essa passagem do Evangelho de São João, disse: “Os próprios judeus, com efeito, eram o vinagre, degenerados do vinho dos patriarcas e profetas. Havia sido posto ali um vaso cheio de vinagre, porque o coração dos judeus, impregnado da iniquidade deste mundo como de um vaso cheio, encerrava, à semelhança da esponja, nas suas cavidades e esconderijos tortuosos, as mais fraudulentas das intenções”.
O vinagre surge da degeneração do vinho, como a iniquidade da degeneração da bondade. E uma vez instalada, degenera em mais iniquidade. Diante do assassinato dessas crianças, quem não desejou que a maldade fosse paga na mesma moeda? Nem me refiro à pena de morte, mas à execução imediata, que venha a “justiça” feita pelo mundo do crime dentro da cadeia para casos assim, dane-se a lei e por aí vai... Eis o vinho se tornando vinagre.
O vinagre surge da degeneração do vinho, como a iniquidade da degeneração da bondade. E uma vez instalada, degenera em mais iniquidade. Diante do assassinato dessas crianças, quem não desejou que a maldade fosse paga na mesma moeda?
Já assistiu ao filme Seven, leitor? É dos melhores a retratar a lógica da iniquidade. Caso não tenha, recomendo não continuar a leitura, pois é daquelas histórias em que spoilers realmente fazem a diferença e me interessa aqui comentar justo o seu final.
Para o assassino do filme completar sua obra, precisava que a bondade se pervertesse em maldade, com a ira justa se tornando assassina. Aparentemente, conseguiu, transtornando o detetive Mills, interpretado por Brad Pitt, que atendeu ao desejo do demônio. Fiquei pensando nisso diante da ira com o assassino de Blumenau. Quem, se pudesse, não faria como Mills se tivesse a oportunidade que ele teve de se vingar? Eis o vinagre.
Se o filme acabasse ali, ficaríamos com o gosto de vinagre na boca. Mas não termina. A vitória aparente da maldade não é, no fim, vitória, pois a história não é apenas sobre Mills, mas também sobre o detetive Somerset, interpretado por Morgan Freeman, que tem plena consciência da iniquidade reinante no mundo e, por isso mesmo, estava desistindo de lutar contra ela, abandonando a profissão, preferindo a aposentadoria.
Com a consumação demoníaca que testemunhara, sem poder evitá-la, imaginava-se que isso apenas confirmaria mais ainda sua decisão de se afastar de tudo e todos. Mas acontece o contrário. Somerset muda de ideia, sendo a última cena do filme a prova de que desistira de desistir, dizendo que permaneceria por perto. Ou seja, a iniquidade abundante que esfria nossa caridade, que nos torna desistentes da prática da bondade, teve aqui um efeito reverso, surpreendente, reanimando um bom combatente para o retorno à luta.
Eis como não só da água, mas do vinagre, Deus transforma em vinho, fazendo novas todas as coisas. Onde estava, está Deus na tragédia de Blumenau? Primeiro, na cruz daquelas crianças e seus pais, cujo choque de realidade nos desperta para a gravidade da iniquidade, como ensina o padre Paulo Ricardo, em meditação recente:
“(...) a maldade existe e age efetivamente no mundo. Basta abrir os olhos que vamos enxergar. Desfaçamo-nos dos ‘bons sentimentos’ e ‘pensamentos positivos’ que alimentamos ingenuamente (ou não tão ingenuamente assim) contra a realidade que ‘grita’ à nossa volta. Não se receita aspirina para quem precisa de quimioterapia. Olhando para o remédio que o próprio Deus escolheu para nos salvar – a morte cruenta de seu Filho único no madeiro da Cruz –, tenhamos uma consciência mais viva do mal que nos circunda. Olhando para a doação heroica dos mártires e dos missionários, que cruzaram oceanos para anunciar a Palavra de Cristo e, por causa disso, foram crucificados e decapitados, lancemos fora nossas ideias inocentes de felicidade neste mundo, nossas concepções sentimentais de ‘bondade’ e ‘misericórdia’. Deus veio ao mundo para derramar o seu Sangue por nós, não para verter mel em nossas bocas.”
Mas também é da cruz, desse Sangue salvador, que verte o que vence toda e qualquer iniquidade: a Misericórdia, que se fez ouvir pelo pai de uma das crianças vitimadas que, ao falar com jornalistas no mesmo dia, disse que, por ser um cristão, perdoava o monstro. Eis o vinho.
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