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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Cinema e fé

“Os Banshees de Inisherin” e a Cruz de Cristo

Cena de "Os Banshees de Inisherin". (Foto: Divulgação/20th Century Fox)

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Ao terminar de assistir ao filme Os Banshees de Inisherin, indicado a não sei quantas categorias do Oscar 2023, fiquei a pensar no significado das imagens católicas recorrentes na obra. Darei spoilers no que se segue, deixo avisado.

O filme inicia “de cima para baixo”, com a câmera nas nuvens, com aparência de nevoeiro a impedir a visão do que haveria tanto abaixo quanto acima. Em poucos segundos, a câmera desce, revelando a ilha de Inisherin até se deixar ficar diante de um dos protagonistas, Pádraic, caminhando e tendo às suas costas um arco-íris no mar. Mais adiante, a câmera o enquadra desde cima, da perspectiva de uma estátua de Nossa Senhora no primeiro plano. O personagem parece não ter percebido nem o arco-íris, nem a estátua.

Esta é a tônica da relação dos personagens com a companhia constante desses símbolos pelo filme, sempre sendo destacados no enquadramento, como se chamassem os personagens e espectadores a lhes dar atenção, mas nenhum dos personagens de fato dá. E os espectadores? É o que estou tentando fazer.

A cruz de Cristo não anuncia apenas a morte, mas também a ressurreição, “acessível” a qualquer um que se converta, morrendo para si para viver por, para e em Cristo

Mesmo quando Colm, o outro protagonista, se confessava com o padre, vê-se ali não só essa falta de atenção à Cruz, mas até uma recusa. Colm seguia sua própria regra de vida, sem de fato se confessar como fruto do autoexame à luz dos Mandamentos de Deus, tanto que, na última confissão mostrada no filme, o padre lhe perguntou se não estava esquecendo de algo, referindo-se a um pecado óbvio, e Colm se recusou a considerar o que fez como pecado. Ele vivia pelo que achava certo, não pelo que Deus determinou como certo.

Aliás, nas cenas de confissão, a luz do sol que invade o confessionário por uma cruz aberta na parede de madeira recai sempre sobre a face do padre, ficando também em primeiro plano. É como se Cristo “gritasse”, implorasse por uma atenção que não lhe é dada de verdade. Assim como os personagens tampouco dão ouvidos a uma das banshees da história, a vizinha idosa que anuncia a morte em vários momentos, inclusive conduzindo o policial ao corpo do seu filho numa das cenas finais. No folclore irlandês, uma banshee é uma figura mitológica, comumente feminina, responsável por anunciar a morte de um indivíduo.

Neste contexto simbólico as imagens católicas possuem mais significado, porém, pois a cruz de Cristo não anuncia apenas a morte, mas também a ressurreição, “acessível” a qualquer um que se converta, morrendo para si para viver por, para e em Cristo. E aqui voltamos à cena citada da suposta confissão de Colm. A recusa em aceitar que o soco dado no policial seria pecado foi seguida do reconhecimento de que a automutilação seria um, porém tampouco pediu perdão por isso. Pior, quando o padre perguntou sobre seu desespero, Colm respondeu que continuava vivo, mas que nada faria contra isso.

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Ou seja, Colm era católico, acreditava em Deus, mas não O amava mais do que a si mesmo, ainda que isso o estivesse levando ao desespero, causado justamente por seu orgulho que o fazia preferir perder os dedos da mão a se “rebaixar” mantendo amizade com Pádraic, que considerava um tolo desinteressante. Todo o seu talento artístico, sua erudição, cultura, não serviam para mais do que inflar de vento seu ego culpado por não se dedicar o suficiente para sua arte, com isso maltratando Pádraic como se este fosse a razão para se sentir um fracassado.

Isso não fez de Pádraic uma vítima inocente na história, pois também ele poderia encontrar na cruz de Cristo mais do que um consolo para sua solidão repentina. Entretanto, tal como Colm, só tinha olhos e ouvidos para o que queria mais do que todas as coisas – no caso, a amizade com Colm, rompida sem maiores explicações por este. Ao procurar o padre, Pádraic não procurou por Deus, mas apenas uma ajuda para fazer Colm voltar a ser quem era antes.

Além disso, embora Pádraic não fosse tão orgulhoso quanto Colm, agiu parecido com Dominic, desfazendo de seu interesse em se tornar seu amigo, embora não sendo tão impiedoso. Assim como não dava ouvidos a sua irmã, que implorava para que aceitasse a decisão de Colm, mas preferiu cultivar a tristeza que se tornaria ressentimento vingativo, assim como a impiedade de Colm era fruto do seu desespero.

O egoísmo consequente de todo orgulho torna o sujeito cego e surdo para o que não é do seu interesse

O egoísmo consequente de todo orgulho torna o sujeito cego e surdo para o que não é do seu interesse. O desespero e a tristeza não são suportáveis por muito tempo e o resultado do alimentar de ambos é simbolizado pela casa em chamas sendo vista ao longe pela velha banshee, que não precisa dizer nada para que o filme termine com a certeza de que algo pior virá, mantidas as decisões de cada qual.

Não sem antes o filme mostrar mais uma vez a estátua de Nossa Senhora, numa foto belíssima, recebendo a luz do sol no fim da tarde, permanecendo onde sempre esteve, ali, ao lado, de braços abertos a todo e qualquer um que se deixe abraçar por ela. O filme é, portanto, uma tragédia cristã, em que a salvação está sempre à disposição, chamando, implorando até, mas sendo ignorada ou recusada pela cegueira e surdez dos corações orgulhosos.

Bom filme para início de Quaresma, não? Aliás, na liturgia da Quarta-Feira de Cinzas a primeira leitura avisa ser chegado o tempo de se voltar para Deus com todo o coração, com Ele suplicando através da segunda leitura: “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus”. Não deixa de ser a moral da história de Os Banshees de Inisherin.

Deixai… Apenas deixai.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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