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Quando eu era piá lá na cidadezinha de Curitiba ir ao cinema era visitar o Centro da cidade. Meu preferido era o Cine Condor, na esquina da Ébano Pereira com Cruz Machado. Das inúmeras memórias que tenho dali, nenhuma é mais viva do que a de quando assisti a E.T., do Spielberg. Fui num grupo de piás e mães respectivas. Cinema lotado, só tinha lugar na primeira fileira. Era como assistir ao filme num planetário. Mas o que me marcou foi a cena em que o E.T. aparece pela primeira vez, quando Elliot sai de casa à noite com sua lanterninha tentando descobrir quem estava fazendo barulho lá fora. Quando se deparou com o E.T., gritamos todos. Não sei quanto tempo fiquei debaixo da poltrona.

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Relembrei disso saindo do cinema depois de ter assistido a Os meninos que enganavam nazistas, em cartaz nos cinemas dos novos centros de todas as cidadonas, ou seja, shoppings. Não tinha lido nada sobre o filme antes, não fazia a menor ideia do que veria. De vez em quando é bom fazer dessas.

ALERTA: se você não viu o filme, não sabe do que se trata, mas quer assistir, então pare de ler agora. Quem avisa amigo é.

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Como imaginei, filme de guerra envolvendo crianças vira quase parábola. A inocência infantil em meio a uma guerra nunca deixa margem para dúvida sobre o lado em que o Bem e Mal estão, o que torna a moral da história bastante explícita. E não, o mal não é só o nazismo, mas também das vítimas dele que, vitoriosas, correram se vingar dos algozes. Jojo, o menino judeu que acompanhamos durante o filme, deixou isso claro quando se arriscou salvar seu patrão bigodudo simpatizante da vingança dos Aliados.

O Bem, assim, fica fácil de enxergar naqueles que não cedem ao mal, naqueles que colocam “o seu na reta” para ajudar outros, como os padres do filme e o médico judeu. Ou Elliot, seus irmãos e amigos com o E.T. da minha infância.

Mas, considerando o tamanho do poder contrário às crianças nos filmes, fica difícil de acreditar que essas histórias poderiam acontecer ou ter acontecido de verdade, parecendo mais próximas da narrativa fantástica. Veja o famoso A vida é bela, por exemplo, de Roberto Benigni. É quase impossível acreditar que fosse possível aquele pai ter não apenas escondido seu filho num campo de concentração, como resguardada intacta sua inocência, com ele terminando crente de que foi tudo um jogo. Maravilhoso, mas inverossímil.

Outro filme de que gosto muito é O sonho da liberdade (I am David), de Paul Feig, contando a história de um menino de 12 anos que foge de um campo de concentração comunista na Bulgária e inicia uma jornada até a Dinamarca, sua terra natal. Difícil acreditar na fuga, difícil acreditar que ele tenha tido tanta “sorte” como teve durante sua jornada, ainda mais naquele final de levar às lágrimas até a feminista mais durona. Maravilhoso, mas inverossímil.

A mesma coisa acontece com este Os meninos que enganavam nazistas. Escaparam de tantas que é daqueles filmes que, quando termina, dizemos: “só no cinema mesmo”. Mas eis que o filme está acabando e vem uma cena de dois senhores simpáticos se dando as mãos. São os irmãos do filme, a história foi real! Fiquei estupefato.

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Fica difícil não enxergar na história dos irmãos a mão de Deus agindo. Claro, sempre se pode reduzir tudo ao acaso, mas, como diria o filósofo Louis Lavelle, “convém espiritualizar o acaso”. Ainda mais quando na história brilham as figuras citadas dos padres e do médico judeu que é quem dá ao menino o sentido daquele sofrimento: se Deus te deixou vivo, é porque é para você fazer algo com sua vida. E ele fez: contou essa história de fazer o mais cético dos homens voltar a ter fé, se não em Deus, ao menos na bondade humana, ainda que de poucos.

Nunca agradeci tanto por não ter sabido nada sobre um filme antes, assim pude experimentar minha descrença cínica de adulto ser dissolvida em espanto infantil diante do maravilhoso inverossímil, mas real. E foi aí que me encontrei com o menino que fui debaixo da poltrona do cinema, com ele dizendo: por que demorou tanto? Perdi a fé, Chiquinho, perdi a fé.