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Quando somos obrigados a reviver a temporada eleitoral, retorna em mim uma curiosidade cuja resposta prefiro evitar descobrir para não me deprimir. Por que alguém que não tem relação direta com candidatos, seja pessoal ou por profissão, assiste a debates? Do que vive? Que horas acorda? Se o leitor sabe responder, peço encarecidamente que evite me dizer. Prefiro ficar com a curiosidade em aberto para sempre, tal qual um inquérito no STF.
Desses debates só fico sabendo o que é inevitável pelos trechos que viralizam em redes sociais. Imagino que com a imensa maioria dos eleitores seja assim também. É claro que os candidatos sabem disso e não debatem coisa alguma, apenas tentam construir esses momentos. Depois, qualquer assessoria meia boca faz o sujeito parecer muito melhor do que de fato é.
Mas só o que fura a bolha deles, porém, são as mitadas ou lacradas, especialmente as que fazem rir dos adversários. Da safra de 2024, muito pela falta de concorrência neste quesito, Pablo Marçal deve nadar de braçada. Já é o candidato que mais cresce nas pesquisas, aliás. O que não significa que ganhará; afinal, no cafofo da urna eletrônica, o voto “útil” contra quem parece ser o pior ainda é o que define uma eleição. Será que Marçal roubará votos suficientes de Ricardo Nunes para se tornar a alternativa mais viável da direita ao extremista de esquerda Guilherme Boulos?
Jornalistas são realmente incapazes de perceber que só surgem Marçais por absoluto descrédito e ojeriza das pessoas ao “sistema” que esses mesmos jornalistas também representam e do qual, pelo visto, orgulham-se
Mas o que realmente me diverte é acompanhar, por razão do ofício, a reação de nojinho dos jornalistas de grandes veículos de comunicação contra candidatos como Marçal. Teve um tuitando que o achou repugnante. Eu rio. Esse pessoal é realmente incapaz de perceber que só surgem Marçais não por qualidades deles, candidatos, mas por absoluto descrédito e ojeriza das pessoas ao “sistema” que esses mesmos jornalistas também representam e do qual, pelo visto, orgulham-se. Mas essa preferência popular pelo que lhes parece bizarro nem é novidade para se espantarem assim, fingindo indignação.
Votos de protesto sempre existiram. O mais célebre aconteceu em 1988, quando a revista de humor Casseta Popular, que daria origem ao programa de tevê Casseta & Planeta, lançou o Macaco Tião, chimpanzé famoso no zoológico do Rio de Janeiro, como candidato a prefeito da cidade. Teve apoio, inclusive, do Gabeira, hoje comentarista político em um canal de tevê fechada que dá traço de ibope, embora seja o mais assistido. O Macaco Tião chegou em terceiro lugar, com cerca de 400 mil votos. Se não me engano, está até hoje no Guinness, como o chimpanzé mais votado do mundo.
Tiririca só se elegeu deputado federal por esse mesmo voto de protesto, aliás. Quem não se lembra de seus bordões de campanha? “Vote no Tiririca, pior que tá não fica!”; “Eu sou o candidato do povo, e o povo é abestado igual a mim!”; “Você sabe o que faz um deputado federal? Eu também não sei, vote em mim que eu te conto”; e tinha outros, mas bastam os exemplos para demonstrar que boa parte do eleitorado tem tanto desprezo pelo jogo de faz de conta político que prefere votar em quem simplesmente parece não fazer parte dele. Tiririca foi o deputado mais votado do país em 2010, sendo reeleito desde então, em 2014, 2018 e 2022.
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Bolsonaro também foi eleito por protesto em 2018; porém, diferentemente de Tiririca e outros, conseguiu ser mais do que isso, tornando-se uma liderança popular de fato, independente, com uma consolidada parcela do eleitorado de direita. Pode não ser o bastante para vencer eleições sozinho, mas é mais do que suficiente para ser o fiel da balança nas alianças e definição de candidatos. Jamais o seu Nunes, em São Paulo, por exemplo, estaria na frente das intenções de voto sem o apoio da direita bolsonarista.
Mas Bolsonaro não representa mais o “voto de protesto”, é uma alternativa de poder. Muito pela perseguição judicial que vem sofrendo, praticamente abandonou as “mitadas” que fazem rir, que viralizavam. Há um vácuo, portanto, para o “voto de protesto” que Pablo Marçal espertamente está tentando ocupar, evitando se opor a Bolsonaro (por enquanto), mas se contrapondo fortemente à mesma coisa, incomodando como o ex-presidente incomodava, despertando a mesma repulsa no “sistema”.
Se Marçal vingará politicamente, não sei. Só sei que sinto saudades da possibilidade de escolher meu voto de protesto. Fossem as eleições ainda no papel, o Macaco Tião estaria recebendo meus votos até hoje.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos