Eu não devia te dizer
Mas essa Lua
Mas esse conhaque
Botam a gente comovido como o diabo
(trecho do Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade)
Tenho desses momentos. Quando a comoção não cabe dentro e transborda em palavras. Boas ou ruins, não importa, tampouco se delas me arrependerei; é preciso dizê-las. Ao fim da tarde de domingo passado, depois de o Athletico vencer com folga o Botafogo na despedida como técnico de futebol de Luiz Felipe Scolari, fiquei a acompanhar o treinador pelo gramado.
Abraçou um por um dos jogadores e quem mais o procurou, participou da comemoração de canto e gestos da torcida, puxou a volta olímpica, despedindo-se. Despedindo-se... Não se deu conta da magnitude do evento? Felipão se aposentou. Ainda não? Compreendo se não gostar de futebol, mas, se o acompanha, ainda que minimamente, não tem como não saber quão importante ele foi e sempre será.
Felipão é o treinador mais vitorioso da nossa história, um dos maiores do mundo também. Era para ser feito um minuto de aplausos em todos os jogos em território nacional
Não fôssemos um país de ressentidos e invejosos, estaríamos inundados de homenagens e reportagens sobre sua vida e carreira. Mas, tirando as notícias protocolares informando da sua parada, foi como se nada de mais tivesse acontecido. E aconteceu. É o treinador mais vitorioso da nossa história, um dos maiores do mundo também. Era para ser feito um minuto de aplausos em todos os jogos em território nacional.
Quando Felipão finalizava a volta olímpica, passando próximo de onde fico, lembrei do que ele disse em entrevista a Cleber Machado, dez anos depois da conquista do pentacampeonato mundial com a seleção. Contou que, ao término da final contra a Alemanha, pensou no pai, que nunca gostou da decisão dele de ter entrado para o mundo do futebol, primeiro como jogador. Não que tivesse algo mal resolvido com o pai já falecido, mas você sente no que não é dito a dor pela ausência do aplauso paterno.
Em outra entrevista, ao canal The Coaches’ Voice, há uns três anos, perguntado qual conselho daria ao jovem que começava no futebol, respondeu: “Seguisse o instinto que teve quando começou na carreira esportiva... porque não foi errado”. Não sei o que se passava na cabeça de Felipão no momento do adeus na Arena, se lembrava do pai ou não, mas sua expressão de paz de espírito, alegria e gratidão me comoveu. Era como se dissesse, com amor sem rancor: “Tá vendo, pai, como deu certo?”
Estava com meu primogênito, parceiro o ano todo. Se estava lá, era por causa dele, que me fez retornar com frequência ao estádio, onde mal perdemos um jogo neste ano, fazendo-me retomar o amor de infância, quando o Athletico me obrigava a frequentar os Pinheirões da vida, levado pelo meu bom pai, que, apesar de coxa, me amava mais.
E pensando no que era o Athletico e no que está se tornando, ver Felipão ali, não como uma exceção, jogada de marketing ou tiro de misericórdia, mas como consequência natural da grandeza conquistada, minha gratidão transbordava, simbolizada na despedida humilde e tão grata quanto dos maiores da nossa história. Não tinha como explicar ao meu filho o que sentia, por que aquele momento era tão importante, mas deixo aqui uma tentativa. “Tá vendo, filho, como deu certo?”
Dizem que foi Arrigo Sacchi quem disse que o futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes. Talvez seja, seu Arrigo, talvez seja, mas que bota a gente comovido como o diabo, ah, bota. Obrigado por tanto, Felipão.