A ex-presidente Dilma Rousseff cobrou um posicionamento de Bolsonaro sobre os estragos causados pela chuva em Minas Gerais.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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Concordo com o Paulo Polzonoff Jr. (leiam o Paulo, leiam o Paulo...): é irresistível comparar os documentários Democracia em vertigem, de Petra Costa, com Não vai ter golpe, do MBL. Menos por tratarem dos mesmos fatos, o impeachment de Dilma Rousseff, e mais porque optaram pelo ponto de vista do espelho para narrar suas histórias.

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Ou seja, quando terminamos de assistir aos filmes, saímos sabendo muito mais sobre Petra Costa e os meninos do MBL do que qualquer outra coisa. Nenhum problema com isso, ainda que nesses casos certamente a curiosidade dos telespectadores não esteja em saber quão sofrida está Petra Costa ou quem é a gurizada do MBL, mas em ver como a história recente foi retratada. Seria mais honesto, portanto, se os documentários se chamassem Petra em vertigem e Só vai ter MBL. Porque é disso que se trata, o resto é coadjuvante de luxo.

Petra Costa parece que irá desfalecer em algum momento da sua monótona narração. A esquerdista e herdeira rica de uma das empreiteiras envolvidas no maior caso de corrupção da história mundial, o petrolão, está triste, muito triste com tudo o que aconteceu e faz do telespectador um psicanalista típico, aquele que não pode falar nada, só ouvir a mocinha mimada de ilusões culpar os outros por tudo, vitimizando-se sem jamais colocar em dúvida seu ponto de vista.

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Já o documentário do MBL tem astral oposto, por óbvio; afinal, foram vencedores na briga pelo impeachment e ninguém mais do que eles lutou por isso. É alegre, descontraído, humilde até, mesmo com o tom épico dado à história do movimento e dos seus principais integrantes. Mas, embora muito mais próximo da realidade dos fatos do que o filme de Petra Costa, não deixa de falseá-la em alguns momentos, como na tal marcha para Brasília.

Quando terminamos de assistir aos filmes, saímos sabendo muito mais sobre Petra Costa e os meninos do MBL do que qualquer outra coisa

É um passado recente demais para que tenhamos esquecido do quanto essa atitude foi um grande erro, esfriando os ânimos mobilizados da população que nem sequer acompanhou a tal marcha, cujas imagens servem muito mais para o agora e futuro, na tentativa de construção da narrativa do filme a transformar a caminhada num dos grandes símbolos daquele período. Se foi, foi só para o MBL.

Mas o documentário também falseia a história ao simplesmente ignorar Jair Bolsonaro, que, mesmo tendo papel pequeno no impeachment, só pelo fato de ter se tornado o presidente eleito na esteira daquele momento obrigava ser ao menos mencionado, ainda mais quando mostraram outros deputados muito menos relevantes e que à época fizeram tanto quanto Bolsonaro – ou seja, subiram em caminhão de som e votaram a favor do impeachment.

A mesma crítica cabe ao tratamento dado a Olavo de Carvalho, que até chegou a ser citado, mas sem qualquer contexto ou explicação. E ele faz parte da história do movimento como seu antagonista, talvez o principal deles, pois foi forte crítico da marcha a Brasília e era contra o impeachment (por achá-lo inútil como solução do que ele acreditava deveria ser solucionado). Por isso, a presença dele faria muito mais sentido que a do líder do Revoltados Online, que mereceu inexplicável destaque.

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A narrativa antipolarização do MBL, na realidade, parece servir mais para polarizar contra o bolsolavismo do que outra coisa

Sei bem que, no ambiente em que vivemos, uma crítica assim será facilmente recebida como coisa de bolsolavista ou algo do gênero, não por outra razão. Mas a razão é outra, sim, e está dada no próprio documentário. Esse momento da história brasileira, que ainda estamos vivendo, será incompreensível sem que sejam contadas as inúmeras tentativas da imprensa de não noticiar o que estava (está) acontecendo. No documentário temos ótimo exemplo disso, quando uma equipe da TV Globo desistiu de uma reportagem pelo simples fato de que, ao fundo de onde o repórter estava, os membros do MBL iriam se posicionar, mas sem atrapalhar em nada seu trabalho. Pois ao ignorar Bolsonaro e o papel de Olavo de Carvalho o MBL agiu exatamente da mesma forma, assim como fez Petra Costa ao ignorar o MBL e muito mais em seu documentário.

Ao fim, ambos os documentários servem para duas coisas. A primeira, como dito, para conhecer quem é Petra Costa e a história da criação do MBL e vários de seus integrantes principais. Isso, por si, já faz valer a pena assistir aos filmes. Porque a desilusão histérica de Petra Costa não é apenas dela, servindo seu filme como bom retrato da mente esquerdista incapaz não apenas de dialogar com, mas até de dar atenção à direita, transformando-a numa espécie de bicho-papão e com isso descolando-se completamente da realidade. Já no caso do MBL, porque foram e são atores importantes da nova configuração política brasileira e é fundamental conhecê-los melhor se quisermos de fato entender o que se passa.

A segunda, como instrumento de luta política. E aqui o telespectador tem de deixar toda ingenuidade de lado. No caso de Petra Costa, o filme é claramente destinado a estrangeiros e aos futuros brasileiros. Toda a movimentação da esquerda desde a época do impeachment é um gigantesco dar de ombros à realidade presente e apostar tudo em uma narrativa insana cuja repetição ad nauseam tem o propósito de, no futuro, fazer com que a história mais conhecida e estabelecida seja essa, de que teria havido um golpe etc. Eles não estão lutando para vencer agora, mas depois. Por isso muita coisa do filme, especialmente as cenas com Dilma durante o processo de impeachment, foram nitidamente ensaiadas e preparadas mesmo em meio ao caos que vivia.

Toda a movimentação da esquerda desde a época do impeachment é um gigantesco dar de ombros à realidade presente e apostar tudo na repetição incessante de uma narrativa insana

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Daí a importância da existência de documentários como o do MBL, não apenas como contraponto narrativo, mas para que a própria história possa ser contada no futuro respeitando a realidade dos fatos e não do interesse de seja lá quem for, inclusive do próprio MBL, que tal como Petra Costa também registrava suas ações visando criar algo como o filme recém-lançado, que mostra como estavam o tempo todo preocupados com a narrativa que usariam naquele momento para a disputa política que travavam.

Também por isso é preciso contextualizar este documentário na narrativa atual que o MBL vem trabalhando e está indicada no fim de seu filme, de uma aparente mea culpa pela polarização existente no país, e que agora estariam a agir contra isso, tentando criar um ambiente político mais dialogal, como nos convites que vêm fazendo a ex-presidentes e adversários políticos para participarem de seu próximo congresso nacional. Tudo muito bonito, bacana, maduro, mas justamente por isso torna as ausências de Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho no documentário mais significativas, revelando que essa narrativa antipolarização, na realidade, parece servir mais para polarizar contra o bolsolavismo do que outra coisa.

Por fim, destaco algo que pode passar batido depois de mais de duas horas de filme. No início do seu documentário, o MBL cita Churchill: “A história será gentil comigo, já que eu pretendo escrevê-la”. Terminado o filme e considerando o que vai acima, ainda bem que não tivemos apenas Churchill contando a história da Segunda Guerra Mundial, não é?