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Estávamos ali, na esquina da José Loureiro com a Marechal Floriano Peixoto, aguardando o Uber do Paulo Polzonoff, observando a Praça Carlos Gomes. “Ali” para quem é daqui, de Curitiba, claro. “Lembra dos pinguins que tinha aqui na praça?”, perguntou o Paulo. Eu prontamente lembrei, sem exatamente lembrar. Porque me dei conta de que sabia de ouvir falar, não de ter visto.
A praça pouco fez parte da minha paisagem de infância, plena de Bosque do Papa e Parque São Lourenço, ou seja, a região do Ahú e Centro Cívico, basicamente. Da praça só fui saber mesmo onde ficava quando adolescente, por ser onde os resultados do vestibular da UFPR eram divulgados, com edições especiais desta Gazeta do Povo sendo distribuídas na sede do jornal, que ficava ali defronte.
O prédio, aliás, segue existindo, mas sem a Gazeta, cuja sede agora está em todos os celulares. Eu o mirava saudoso do que não vivi, sentindo falta como se tivesse nascido ali, enquanto seguíamos conversando sobre os pinguins, também os bichos que tinham no Passeio Público e levaram embora, deixando apenas as araras tristes e suas parentes.
Não é possível que tenhamos inventado essa história de pinguins de verdade na Praça Carlos Gomes
Encafifado, voltei a pé pra casa pensando nos pinguins. Será que existiram mesmo? Resolvi pesquisar melhor, mas nada encontrei pelos mecanismos de pesquisa on-line. Fucei sites e blogs voltados à história de Curitiba, também nos arquivos da Gazeta (saudoso Cid Destefani), alguns livros que possuo sobre. E nada. Restava-me o novo oráculo de Delfos, o Chat GPT e assemelhados. Respondeu-me:
“Os pinguins da Praça Carlos Gomes fazem parte do imaginário popular curitibano. Tudo começou com o Bar Pinguim, um estabelecimento fundado nos anos 1950 e que logo se tornou um dos bares mais populares da cidade. O bar ficava na Praça Carlos Gomes, no centro de Curitiba, e era frequentado por jornalistas, intelectuais, políticos e cidadãos em geral que buscavam uma boa conversa e um ambiente agradável. O nome ‘Pinguim’ inspirou uma decoração temática, e logo surgiram estátuas de pinguins em frente ao bar, que acabaram se tornando um símbolo do local e da própria praça. Essas figuras de pinguins, feitas de cimento ou gesso, ficavam na calçada em frente ao bar, sempre dispostas de forma chamativa, e se tornaram um ponto de referência. Os pinguins do Bar Pinguim são frequentemente lembrados com afeto pelos curitibanos, principalmente aqueles que viveram as décadas de 1950 e 1960, quando o bar estava em seu auge.”
Fiquei perplexo, eu nunca tinha ouvido falar disso. Os pinguins que tinham me contado eram pinguins mesmo, de carne e penas. Penas? Pinguim tem pena? Deve ter, fica tendo. Enfim, mais encafifado, pedi ao mago que me apresentasse suas fontes. Não as tinha, respondendo algumas genéricas onde eu poderia encontrar mais informações, as mesmas que eu já tinha pesquisado. Triste, a Inteligência Artificial já se abrasileirou. Agora, passarei a chamá-la de LulAI.
Bem, ainda que tenham existido esse bar e essas estatuazinhas, certamente nem eu nem o Paulo poderíamos tê-las visto, pois nasceríamos duas décadas depois. Voltei a pesquisar, descobrindo que os famosos irmãos Queirolo tinham erguido um circo ali. Quem sabe os pinguins não eram dele? Mas não, também. O circo não tinha animais e só existiu por ali entre 1942 e 1956, se bem entendi do que consta do próprio site dos Queirolo.
Como eu e Paulo não somos como o LulAI, não é possível que tenhamos inventado essa história de pinguins de verdade na Praça Carlos Gomes. No dia seguinte, contei-lhe sobre minha pesquisa. Ele teve uma grande ideia. Assim que terminasse de participar do programa Entrelinhas, aqui da Gazeta (se não assistiu ainda, assista, melhor companhia das manhãs), perguntaria ao pipoqueiro da praça. De fato, é impossível existir alguém mais abalizado para resolver esse mistério. E falo sério.
Mas choveu (Curitiba, né?) e o pipoqueiro sumiu. Foi chegando o limite do prazo para entrega desta crônica. Decidi que vai terminar como a dobradinha que o Paulo almoçou pela metade naquele dia. A outra parte levou para casa, em uma embalagem mal fechada fazendo escorrer parte do molho enquanto caminhávamos. Quando o Uber chegou, lá se foi o Polzo em direção ao carro, equilibrando a marmita, o que lhe dava um andar de pinguim. Só me restou imitá-lo e seguir para casa andando assim também. Pensando bem, formaríamos uma boa dupla no circo dos irmãos Queirolo.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos