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É sempre assim. Basta alguém falar sobre sua experiência com depressão que outros precisam falar também. Por causa da coluna da semana passada recebi várias mensagens de leitores, seja de quem sofre da doença, seja de quem sofre por estar ao lado de alguém doente, seja de psicólogos e psiquiatras que tratam doentes. Os primeiros, porque se reconheceram e não há nada que ajude mais um depressivo do que encontrar alguém que pareça entendê-lo. Os segundos, porque não se sentem sozinhos. Os terceiros, porque toda ajuda ajuda.
Uma das mensagens me obriga a continuar a falar a respeito, sendo boa ocasião para resgatar um outro texto que escrevi anos atrás e que atualizei para hoje. Falo sobre suicídio e sentido da vida. As estatísticas que tinha à época eram de que a cada 40 segundos uma pessoa cometia suicídio no mundo. E a cada 3 segundos alguém atentava contra a própria vida. No Brasil, segundo números de 2012 do Conselho Federal de Medicina, aconteciam no mínimo 30 suicídios por dia.
A imprensa não costuma noticiar suicídios por supostamente crer que a divulgação acabaria incentivando outros a cometer o ato. Mas há controvérsias sérias a respeito disso e já conversei com vários psiquiatras e psicólogos que pensam o contrário, que falar sobre suicídio ajudaria. Quando escrevi sobre isso, fui motivado por um suicídio que foi impossível não ter sido noticiado, de Patrícia Santiago, jovem, casada havia pouco tempo, pois ela havia publicado no seu perfil no Facebook um texto explicando por que iria se matar, despedindo-se do marido e familiares. E cumpriu o prometido.
Para Viktor Frankl, o criador da logoterapia, o desespero seria um sofrimento sem sentido
O texto foi retirado das redes sociais, mas quem o leu se espantou com a aparente banalidade do motivo: a loja que abriria não estava ficando como ela desejava por culpa, segundo ela, da arquiteta e do responsável pela feitura e instalação dos móveis. O texto e suicídio consequente foram, portanto, uma “vingança” contra ambos. Mas não apenas, é claro. Algo assim foi apenas a gota d’água para quem sofria de depressão como ela, fazia terapia, mas não suportava mais o sofrimento, estava desesperada e por causa desse desespero não viu alternativa de vida.
Mas o que leva alguém ao desespero? Viktor Frankl, o criador da logoterapia, tinha uma fórmula matemática para expressar isso. O desespero seria um sofrimento sem sentido, que ele inclusive cunhou numa fórmula: D = S – S. Ou seja, se você não encontra ou não coloca algum sentido no sofrimento que padece, o desespero será inevitável e o suicídio, questão de tempo. Assista a este trecho de uma entrevista dele falando a respeito e entenda melhor:
Voltemos à pergunta excelente da entrevistadora: se a pessoa já está em desespero (como Patricia estava), como conseguir encontrar ou dar um sentido ao seu sofrimento? Segundo Frankl, a forma de se dar sentido ao sofrimento é transformando sua superação num triunfo pessoal. Isso implica aceitá-lo antes de tudo, vendo no ato de suportar o sofrimento já sendo a própria superação. O exemplo citado na entrevista é inspirador disso. Aliás, em seus livros há centenas de casos parecidos e conhecê-los é consolador. Se você está sofrendo agora, corra para ler os livros de Viktor Frankl!
Mas, ainda assim, ainda que a teoria possa estar certa, verdadeira, linda, inspiradora, colocá-la em prática é outra coisa. Na realidade da vida, a pergunta que nos fazemos acaba sendo outra: como suportar o sofrimento? Graças a Deus Frankl não respondia a isso com palavras motivacionais como “você precisa ter coragem”, “é questão de força de vontade” ou algo assim. Ele tinha consciência de que alguém extremamente fragilizado jamais conseguirá ser “heroico” nessas horas. É impossível. Para mim, é aí que Frankl se apresenta como um gigante, como se constata em outro trecho dessa entrevista:
A resposta do “como suportar o sofrimento” está dada aí de maneira singela e começa pelo passo mais óbvio: começar procurando por ajuda. É só depois desse primeiro passo que o segundo se revelará. Às vezes, este primeiro passo caberá a quem convive com a pessoa, por quem a ama ou tem por ela responsabilidade. Porque nem sempre o doente conseguirá dá-lo. Talvez fosse o caso de Patrícia, cuja ideação suicida era explícita, como se leu pela carta, demonstrando desespero insuportável apesar de fazer terapia. Mas é claro que quem sofre ao lado nem sempre consegue enxergar a situação com clareza ou, mesmo enxergando, não sabe o que fazer. Por isso mesmo tem de procurar ajuda, inclusive para si também, pois a depressão adoece quem convive com o depressivo.
Do pouco que aprendi conhecendo mais a respeito, algo que me ajudou a entender um suicida foi compreender a razão pela qual o suicídio lhe pareceria uma solução melhor do que que qualquer outra coisa. Porque traz ao sofredor justamente aquilo que o desespero lhe tirou: esperança. O suicida espera que a morte seja o fim do sofrimento, do desespero. Por isso é bem comum acreditarem que ficarão melhor depois de mortos, como Patrícia, que disse ter fé de que, se matando, iria viver com Deus. Ela não tinha garantia nenhuma disso, mas tinha esperança. Não via sentido mais no sofrer em vida, mas viu no morrer pela esperança de continuar vivendo sem dor depois.
É na esperança, no fim das contas, que o sentido de tudo se fundamenta, tanto da vida como da morte. Se a possibilidade do suicídio não contivesse uma sugestão de esperança de algo melhor, ninguém o enxergaria como solução possível. Por isso, todo suicida é, independentemente do sofrimento que padece, também um doente da falta de sentido. Daí porque precisam ser lembrados de que, apesar do seu sofrimento, sua esperança ainda existe e tem força suficiente para fazê-lo lutar pela vida, passo necessário para aceitar a dor e transformar o sofrer no próprio sentido imediato do seu viver. Porque quando o sentido da vida nos falta, é na esperança de que o encontraremos que somos capazes de suportar a dor de não tê-lo ainda. Com esse sentido recuperado, outros virão, maiores, melhores e mais saudáveis. Mas, sem este, nenhum outro se sustenta.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos