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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Quem planta medo não colhe saúde

Quando se planta o medo colhe-se histeria (Foto: BigStock)

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“O vírus veio, gente, a pandemia chegou em Curitiba.”, disse a secretária de saúde de Curitiba no último dia 17, em entrevista a uma rádio. Como assim, “chegou em Curitiba”? Estamos há mais de 90 dias vivendo sob uma série de restrições de toda ordem, empresas quebrando e empregos sendo perdidos à rodo e a pandemia não havia chegado? Ou seja, Curitiba fechou tudo cedo demais, não há como escapar desta conclusão com uma fala dessas, o que significa dizer que empurramos a chegada da pandemia para o inverno, o que, por óbvio, tornará o enfrentamento muito mais difícil pelo acréscimo natural de doenças respiratórias no período.

É também mais uma confirmação de que o combate ao vírus tem sido feito neste país com apenas duas coisas: medo e aposta. Do Presidente da República que apostou, e errou feio demais, que a pandemia não seria grave por aqui, a praticamente todos os governadores e prefeitos que saíram fechando tudo de medo do vírus. A conversa de “ciência” é pura retórica, pois o vírus é novo e a ciência de verdade precisa de tempo para dizer mais e melhor a respeito. Enquanto isso, o que se exige dos gestores públicos é prudência e coragem, mas infelizmente são virtudes muito em falta no Brasil, celeiro de covardes e temerários. E com isso, as ações são tomadas apenas na base do medo e aposta. Fecham tudo de medo, não por prudência, reabrem na base da aposta, não com coragem. Tanto que basta o medo crescer de novo que volta a se fechar tudo.

É o que está acontecendo em Curitiba agora. Com uma diferença que faz toda a diferença: 90 dias atrás a quase totalidade da população colaborou com as restrições impostas sem maiores reclamações. Tanto que no primeiro fim-de-semana, depois de decretadas as medidas, tivemos no domingo, 22/03, conforme noticiado, um índice de isolamento social de 65,6%. Mas agora, depois de tanto tempo esperando, amargando prejuízos de toda ordem, a disposição para perder mais ainda já não é mais a mesma, por óbvio. Até porque é impossível empresas e empregos serem mantidos durante tanto tempo com a economia paralisada assim. Não à toa, entre os dias 11 e 17 de junho, a média de isolamento ficou em 39%.

É compreensível, portanto, que vários setores da sociedade tenham se insurgido contra as novas restrições impostas pela prefeitura na semana passada, especialmente no comércio, como academias, bares e restaurantes. Não só porque muitos não têm mais como suportar e irão à falência, mas também pela forma lamentável como a Prefeitura optou por tentar convencer a sociedade da necessidade das restrições: culpando-a por isso e impondo medo. A secretária de saúde, na live extraordinária de sábado passado, dia 13, em tom admoestatório, deixou muito claro: “precisamos tomar medidas que poderiam ser evitadas se todos ajudassem”. Depois de culpar a sociedade, veio a plantação do medo, falando da mudança para “bandeira laranja”, mas deixando muito claro que do jeito que estava a “bandeira vermelha” estava próxima: “(...) bandeira laranja, isso significa médio risco caminhando para uma situação - Marion até colocou uma máscara vermelha hoje - que nos preocupa.” Na sequência, culpou especificamente pessoas religiosas. Foi tão infeliz na sua fala que na próxima live que veio a participar, apenas na quarta-feira, dia 17, pediu desculpas às igrejas e lideranças religiosas pela forma como se expressou naquele dia.

No dia 15, foi a vez do próprio Prefeito publicar um vídeo em suas redes sociais apelando para a mesma estratégia de culpar e incutir medo: “Vou ser contra lavar as mãos? Vou ser contra passar álcool gel? Vou ser contra não aglomerar? Vou subir num ônibus cheio de gente? Vou colocar minha vida em risco? Vou querer fazer atividades que os médicos infectologistas renomados (...) dizem ‘não faça porque você vai se infectar, você vai morrer’?”. O prefeito é muito melhor retórico do que sua secretária de saúde, mas foi tão infeliz quanto ao tratar o contágio do vírus como se fosse equivalente à taxa de sua letalidade. Quem o escuta, senhor prefeito, acredita que, ficando doente, a morte é quase certa. Isso é criar pânico, não tem outro nome. Mas a realidade é que a letalidade está em torno de 4,3% em Curitiba, segundo o último boletim divulgado no dia 12, e todos sabem que é um índice muito menor do que isso porque há notória subnotificação de casos pela falta de testagem razoável da população.

A tentativa de incutir medo é também o que explica a confusão com os número de UTI’s. O prefeito sempre propagandeou que Curitiba tinha mais de 1000 leitos de UTI e voltou a fazer isso em outro vídeo desta semana. Porém, a prefeitura não leva em consideração esse número total para o cálculo da taxa de ocupação, que é feito apenas com base no número de leitos SUS ativados. Só assim para fazer parecer que chegamos a ter 85% de ocupação de UTI. Se a conta fosse com a totalidade dos leitos o índice seria muito, mas muito menor. Isso não é estratégia apenas de Curitiba, aliás. Em São Paulo acontece o mesmo. O jornalista Samy Dana tem postado diariamente em sua conta no Twitter que, pela porcentagem informada de ocupação de leitos, o número total deles varia de dia para a dia, muitas vezes na ordem de centenas de leitos. O governo paulista lhe respondeu explicando que se trata dessa variação de leitos para covid, que é maleável, e não conforme o número total disponível. Ao que o jornalistas, com acerto, treplicou: “A taxa de ocupação deve ser sobre o total possível.  Do contrário se uso menos leitos e falo que tem 100% ocupação estou dando a falsa impressão que o sistema de saúde estourou.”

É exatamente essa falsa impressão que Curitiba está passando, de que o colapso seria iminente. A consequência é a manutenção da população assustada, fazendo-a permanecer em casa e mantendo o isolamento social. Você pode até achar, leitor apavorado, que isso é necessário porque a população é “sem noção”, não ajuda, não tem empatia etc., mas você já parou para pensar nas consequências de se plantar medo na expectativa de colher saúde? Essa conta não vejo ninguém fazendo: quantas pessoas deram entrada nos hospitais com picos de pressão alta, crises de ansiedade, infartos, por causa do pânico incutido e alimentado pelas autoridades e o noticiário diário? E o que dizer do estrago psicológico? Imensurável. Alguém preocupado com o aumento dos suicídios? Sobre isso, aliás, vale ler este artigo de um médico italiano: "Suicídios pelo coronavírus na Itália: eis aonde leva a disseminação do pânico".

E a quantidade de pacientes de outras doenças graves, como o câncer, que deixaram de dar sequência aos seus tratamentos pelo medo de pegar o covid? Cito um exemplo dessa consequência do medo dado também pela própria secretária de saúde de Curitiba na live de quinta, dia 18. Fez ela um apelo às grávidas e doentes crônicos para que vão aos postos de saúde para tomar a vacina contra a gripe, pois o número dessas pessoas está muito abaixo do esperado. Ora, mas com esse pânico todo criado a impressão que qualquer um tem é a de que ir a um posto de saúde ou hospital é extremamente arriscado. É claro que o número será baixo. Além disso, outra consequência óbvia. Nesta mesma live de quinta a secretária, agora muito mais comedida, obrigou-se a esclarecer uma “fake news” de que a cidade iria para bandeira vermelha no atual fim-de-semana, fechando tudo. Disse que pelos dados existentes não há razão para tanto. Ora, quem assistiu a live de sábado passado só poderia pensar que isso iria acontecer, sim. Essa “fake news” quem ajudou a criar foi a secretária pela forma como anunciaram a ida para a bandeira laranja. Ou seja, o que não há é razão para a população não achar que o lockdown está próximo, daí a corrida para supermercados e outros comércios que vimos nesta semana. Porque é isso que acontece quando se planta o medo: colhe-se histeria.

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