Se você é um ouvinte, espectador ou leitor resiliente (ou masoquista?) da grande imprensa desde que a chamada nova direita foi parida sem pai nem mãe, lá por 2013, deve se divertir hoje com Reinaldo Azevedo e Marco Antônio Villa. Sim, divertir-se. Porque, convenhamos, é engraçado testemunhar o que foram e o que agora são.
Não faz diferença se você gostava deles antes ou gosta depois das mudanças radicais de posicionamento, o fato em si dessa mudança é tão escandaloso e sem justificativa que a perda da credibilidade de ambos só não é maior do que o ridículo de que se cobriram.
Não importam mais as opiniões que tenham sobre o que quer que seja, tanto as do passado como as do presente, pois como confiar em quem mudou tanto com a maior desfaçatez? E que tenham espaço na grande imprensa nada diz sobre eles, apenas de quem os contratou. O que explica a crise de credibilidade por que passa a mídia em geral, com muitos preferindo dar crédito a qualquer coisa que chegue pelo WhatsApp do que publicado em jornal.
Como pode alguém mudar tanto assim da noite para o dia? A jornalista Paula Schmitt levantou uma hipótese verossímil, enxergando na chamada “Vaza Jato” uma operação de chantagem contra autoridades, políticos, jornalistas e por aí vai. Vale ler a série de artigos que escreveu a respeito. É algo que explicaria muita coisa ocorrida no país nos últimos anos, como outra mudança tão radical quanto a dos jornalistas citados: a do ministro Gilmar Mendes.
Não importam mais as opiniões que tenham sobre o que quer que seja, tanto as do passado como as do presente, pois como confiar em quem mudou tanto com a maior desfaçatez?
Mas isso me deixou a pensar em buracos de coelho. Conhece essa metáfora comum na língua inglesa, leitor? Veio da obra Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, na qual uma garota, Alice, cai num buraco de coelho, vivendo então experiências surreais. A internet está cheia desses “buracos de coelho”. Basta começar a pesquisar sobre algo e rapidamente você se vê longe, levado de link em link, tropeçando em diversos “click baits”, caindo sem perceber em certezas mais do que incertas interconectadas a partir do que era apenas uma hipótese plausível no início.
Faça um teste (por sua conta e risco), pesquisando justamente por “buraco de coelho”. Verá links para livros, teses e inúmeras associações com coisas como QAnon, teorias sobre a origem do vírus da COVID, também sobre a eficácia e finalidade das vacinas criadas contra a doença, o que vai acabar desaguando em outros trocentos links sobre “a Nova Ordem Mundial” e se seguir em frente, sabe Deus o que mais aparecerá.
Não estou afirmando nada a respeito dessas coisas, se são verdadeiras ou falsas, verossímeis ou “teorias da conspiração”. Apenas perceba que, tendo caído no buraco do coelho, em poucos minutos provavelmente já nem lembra mais do ponto de partida, do que o levou a pesquisar. Por isso, é bom voltar ao início desta coluna: no caso dos jornalistas citados, a tese de Paula Schmitt é verossímil, mas daí a tratarmos como a realidade vai uma distância. Distância que ela, ainda bem, não percorreu, fazendo bom jornalismo como quase ninguém mais faz.
Mas olhemos de fora para esses “buracos de coelho”. A facilidade de se perder num mundo mental alheio sem saber mais como conectar narrativa com fatos, por esses serem poucos e pobres em comparação com tantas sugestões hipotéticas, faz muitos substituírem a incômoda limitação do real pela simplificação de sentido dado por alguma narrativa supostamente explicativa da realidade.
Se ficou abstrato demais para entender o que quero dizer, pela forma sintética como estou me expressando (desdobrar isso exige muito mais do que uma coluna de jornal), sugiro que assista ao seriado Rabbit Hole, disponível no serviço de streaming da Paramount, cuja primeira temporada se encerrou há poucos dias.
Ali acredito que ficará mais claro visualizar esse processo mental quando caímos no “buraco do coelho”, pois o protagonista, interpretado por Kiefer Sutherland (é impossível não lembrar de 24h assistindo, é quase o mesmo personagem), perde-se no seu mundo mental de tantas hipóteses lógicas, quase perdendo a noção do que é real ou imaginário.
Mas o seriado tem muito mais do que isso. Sabe a hipótese levantada pela jornalista sobre a Vaza Jato? Tem um exemplo perfeito disso no seriado. Teorias da Conspiração? A série se baseia em uma, tratada não como conspiração. Tem grande mídia e mídia alternativa informando o que aquela não informa? Aham. Tem alguém conseguindo sair do “buraco do coelho”? É só sobre isso, na verdade.
Todo o tema do seriado é, no fundo, sobre como não podemos viver sem confiar minimamente em alguém que, por sua vez, precisa ser confiável de verdade. No caso dele, não tendo mais a quem recorrer, vai a um confessionário. Não para pedir perdão por seus pecados, pois não há nada que indique que seja católico ou mesmo cristão. Mas se procurou um padre é porque um mínimo de confiança no papel de um ainda existia no imaginário dele. O seriado começa com essa cena, aliás, sendo mais significativa do que parece no primeiro momento.
É uma boa imagem de como é só restaurando a confiança nas tais das instituições - como a imprensa - que temos alguma chance de começar a sair desse buraco em que entramos como civilização. Mas para isso, quem representa essas instituições precisa ser minimamente confiável. E hoje, quão poucos; quão poucos…