O ocorrido no Festival de Cinema de Gramado, em que atores e equipe de um dos filmes concorrentes saíram fazendo campanha eleitoral para Lula, tendo sido vaiados pelo povo nas ruas, com alguns por sua vez apoiando Bolsonaro, é mais um desses fatos simbólicos de nossa época aos quais, por serem tão recorrentes, não damos mais a devida atenção do quanto nos explicam.
Vivemos numa distopia? É tentador para nossa vaidade, mas basta começar a assistir a Medida Provisória, filme de Lázaro Ramos, para perceber que somos, no máximo, motivo cômico de uma chanchada ruim. Mas Medida Provisória não é uma comédia, levando-se (muito) a sério. Ou seja, a distopia que nos cabe é apenas Idiocracia mesmo.
Democracia em Vertigem, de Petra Costa; Não Vai Ter Golpe, do MBL; e Nem Tudo se Desfaz, de Josias Teófilo, são documentários que, considerados em conjunto, formam um símbolo também. Os dois primeiros, por dizerem muito de quem fez os filmes e quase nada sobre a realidade que dizem retratar, deveriam se chamar “Petra em Vertigem” e “Só Vai Ter MBL”. Apenas Nem Tudo se Desfaz abriu espaço para visões distintas sobre o tema que retrata, o que torna seu título também uma esperança para o nosso tempo.
Em comparação com os argentinos, estamos na “série B” do cinema mundial. Mas nem sempre foi assim
Falando em esperança, o primeiro filme exibido no país foi em 1896 (sim, você leu certo: mil, oitocentos e noventa e seis), mas demorou mais de década para começarmos a ter condição de estruturar salas de cinema, o que só aconteceu à medida que redes de eletricidade começaram a ser instaladas. Naquela época, muitas dessas salas tinham suas próprias equipes de filmagem e faziam breves documentários. Entendeu a razão da esperança?
Talvez no futuro seja possível mantermos uma indústria cinematográfica apenas com capital privado e sustentada pelo próprio mercado consumidor de cinema, mas na nossa história, sem o Estado, sempre foi difícil. Basta lembrar da extinção da Embrafilme em 1990, pelo governo de Fernando Collor de Mello. Em consequência, a indústria de cinema quase desapareceu. Em 1992, por exemplo, apenas três filmes brasileiros foram lançados.
Com a criação das leis de incentivo fiscal, a retomada da indústria aconteceu a partir dos anos 1990. Mas, ao contrário da era da Embrafilme, em que, no fim das contas, o Estado era o grande produtor, a partir das novas leis a iniciativa privada voltou a ter importância maior. Como, por exemplo, a produtora Globo Filmes, que em 2003 tinha participação em 90% dos filmes nacionais lançados – e creio que continue sendo a principal produtora no país.
Com a internet, que permitiu a criação de novas possibilidades de produção, especialmente com o crescimento dos serviços de streaming, novos players entraram no mercado, como Netflix, HBO e Amazon. Embora o momento seja de crise no setor, colocando as coisas numa perspectiva histórica, o prognóstico para a indústria de cinema nacional não me parece ruim. Crescendo, talvez dependa menos de incentivos estatais.
Central do Brasil é meu filme nacional favorito. Uma história que vai em busca do que perdemos ou, melhor, do que nunca valorizamos direito
Falar nisso, vem aí nova edição da Expocine, o maior evento da América Latina voltado à indústria cinematográfica, que ocorrerá em setembro, em São Paulo. Segundo os realizadores, na nova edição haverá oportunidade para cidades de diferentes regiões mostrarem seu interesse e força para receberem produções audiovisuais. São Paulo, Belo Horizonte e João Pessoa já estão confirmadas e espero que outras cidades se interessem. Um país continental como o nosso tem cenários para todo tipo de filme. Há muito para crescer.
Em comparação com os argentinos, estamos na “série B” do cinema mundial. Mas nem sempre foi assim. Nos anos 1990, concorremos ao Oscar de melhor filme estrangeiro com O Quatrilho (em 1996), O Que é Isso, Companheiro? (em 1998) e Central do Brasil (em 1999), sendo que este último também foi indicado na categoria de melhor atriz, para Fernanda Montenegro, algo inédito. Não é pouca coisa.
Central do Brasil é meu filme nacional favorito. Uma história que vai em busca do que perdemos ou, melhor, do que nunca valorizamos direito. Decidi revê-lo. Que belo filme, que bela carta, a de Dora: “Você merece muito, muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai, tenho saudade de tudo”. Eu também.
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