Dias atrás o presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, cujo sobrenome parece ser um destino, deu uma entrevista à CNN em que, avaliando seu primeiro ano de mandato, disse que gostaria de “recivilizar” o país construindo pontes, sem mudar as posições das pessoas. Ou seja, conservadores, progressistas, direita e esquerda, todos poderiam continuar em suas rotas, mas precisamos de pontes entre todos.
Creio que ninguém que não seja um incendiário revolucionário ou reacionário discordaria do ministro nisso. Mas também creio que qualquer um que não esteja descolado da realidade, como o ministro está – e claramente está –, sabe perfeitamente que a ponte que ele está a construir obriga todos a pegar a mesma rota no fim dela, dobrando à esquerda, venha de onde vier. Ou seja, não é bem uma ponte, mas um “corredor polonês”.
Em editorial recente, esta Gazeta do Povo bem apontou as ruínas que se encontram no destino dessa ponte que Barroso acha ser uma civilização. Nada a acrescentar, até porque concordo também com o amigo Polzonoff quando, analisando a mesma entrevista, concluiu que não há solução para esse STF que temos aí.
A ponte que Barroso está a construir obriga todos a pegar a mesma rota no fim dela, dobrando à esquerda, venha de onde vier. Ou seja, não é bem uma ponte, mas um “corredor polonês”
Não há solução para o STF, mas e para cada um de nós? Não podemos tentar construir pontes verdadeiras? Se sim, como? Nesta sexta, dia da semana em que esta coluna costuma ser publicada, também é o dia de São Francisco de Assis. Ele tem as respostas para estas perguntas, resumidas em uma das mais belas orações já criadas:
“Senhor, fazei de mim um instrumento da Vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.”
Sim, eu sei, belas palavras, facilmente repetidas e que podem servir mais para a vaidade de se sentir uma boa pessoa – só porque reza – do que por efetivamente levar esses bens e praticá-los no dia a dia. Ou seja, sem a atitude correspondente, essa oração não significa nada.
Dizem ser de São Francisco a fala “pregue o Evangelho o tempo todo. Se necessário, use palavras”. Entretanto, não se acha essa passagem nas biografias e escritos do santo. Ainda assim, ainda que seja de outro, ela serve bem para ilustrar que a oração de São Francisco tem de se tornar um exemplo de vida. Só assim a ponte terá pilastras de sustentação.
É claro que o santo deu esse exemplo. O mais famoso é o beijo no leproso, que Tomás de Celano narra assim:
“Pois, Francisco que tinha entre todas as infelizes desgraças do mundo uma aversão natural pelos leprosos, num certo dia encontrou um leproso, quando cavalgava perto de Assis. Embora este lhe causasse não pouco incômodo e horror, no entanto, para não quebrar como transgressor o juramento feito, saltando do cavalo, correu beijá-lo. Quando o leproso lhe estendeu a mão como que para receber alguma coisa, ele colocou o dinheiro com um beijo. E, montando imediatamente no cavalo e voltando-se para cá e para lá, não viu mais aquele leproso, ainda que o campo fosse aberto em todas as direções, sem interposição de qualquer obstáculo.”
Quem é como o leproso para você? Um esquerdista? Um progressista? Um direitista? Um conservador? Um reacionário? O Lula? O Bolsonaro?
Eu sei que só por Deus alguém conseguiria fazer isso, esse movimento em direção a quem lhe causa repulsa, aversão. E justo por isso precisamos de pontes para que isso seja possível. A oração de São Francisco é um princípio da construção desta ponte. Quem sabe um dia não sejamos capazes de também abraçar quem sentimos repulsa ou aversão? E que tal começar agora mesmo? Mas, calma, antes de rezar, responda o seguinte: quem é como o leproso para você? Um esquerdista? Um progressista? Um direitista? Um conservador? Um reacionário? O Lula? O Bolsonaro? Quem? Reze pensando nele, só assim será também por você.
PS: a oração de São Francisco termina assim:
“Glorioso São Francisco, santo da simplicidade, do amor e da alegria, que no céu contemplais as perfeições infinitas de Deus, lançai sobre nós o vosso olhar cheio de bondade. Socorrei-nos em nossas necessidades espirituais e corporais. Rogai ao nosso Pai e Criador, que nos conceda as graças que pedimos por vossa intercessão, vós que sempre fostes tão amigo d’Ele. E inflamai o nosso coração de amor sempre maior a Deus e aos nossos irmãos, principalmente os mais necessitados.
São Francisco de Assis, rogai por nós. Amém.”