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Se nada der certo…

Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo (Foto: )

Se você não esteve fora do planeta internet nesses últimos dias, deve saber do caso do “recreio temático” de duas escolas gaúchas. Se esteve, bom, o tema era “Se nada der certo” e os alunos do último ano do ensino médio (aqueles que irão prestar vestibular) foram fantasiados de gari, atendente do McDonald’s, doméstica, e por aí vai. Deu pra entender, certo? Em uma escola, isso ocorreu em 2015; na outra, há poucas semanas.

Escândalo geral por todo lado. “Que educação estamos dando a nossos filhos?”, “Isso é menosprezar os trabalhadores!”, e por aí foi o griteiro. Mas, se você perguntar a cada um desses escandalizados se preferem que seu filho ou filha se case com um(a) atendente do McDonalds ou um(a) médico(a) e pudesse ver o coraçãozinho de sua alma nesse instante, tenha certeza, veria todos “menosprezando” o atendente. Quer apostar?

A verdade é que brasileiro não suporta ter sua realidade exposta, por mais feia que seja (no caso, é), e adora viver de e na hipocrisia. Mas quem tratou muito bem disso foi Cora Rónai, em sua coluna n’O Globo, então não irei chover no molhado e recomendo a leitura a esse respeito. O que me interessa aqui é falar a esses meninos que participaram do recreio – e que hoje se sentem acuados e com medo de dizer que estudam nessas escolas – e com todos os outros que, vivendo a mesma circunstância de vida, teriam participado da mesma forma, tenho absoluta certeza.

É um crime o que fazemos com os jovens nessa idade em torno dos 17, 18 anos, confinando seu futuro a uma escolha de carreira profissional em busca da subsistência material, da “segurança”. Como se, acertando nisso, pronto, “deu certo”. É a mesma mentalidade que depois defenderá que passar em concurso público “resolve” a vida. Daí vem a legião de encostados no serviço público que não servem a ninguém, salvo a si mesmos e sua preciosa aposentadoria futura que acalentam desde antes de passar.

Seria a hora, é claro, de falar a sério sobre vocação, mas, agora? Quando o vestiba está aí? Ora, agora é tarde. E é mesmo. Se só agora o jovem é informado sobre vocação ou se deu conta de que precisa encontrá-la, bom, sinto dizer: já deu errado.

Não que não dê mais para lidar com a vocação. Não só dá, como se deve. O que quero dizer é que, a partir de agora, tratar da vocação será como trocar o pneu do carro em movimento. Ou seja, decisões estão sendo ou já foram tomadas à revelia da vocação e mesmo contra ela, ainda que sem o sujeito ter consciência, e isso irá definir uma série de coisas na vida que depois terão de ser reavaliadas e talvez modificadas, certamente ressignificadas. O sofrimento é certo, asseguro.

Não quero com isso desestimular ninguém, é óbvio. Mas não há como consolar nem inspirar alguém fingindo que a realidade não é o que é. Que fazer, então?

Semana passada veio a público um exemplo maravilhoso do que fazer. Num show de calouros americano, o America’s Got Talent, apareceu uma jovem de 29 anos que desde criança sabia o que queria ser quando crescesse, qual sua vocação: ser artista, cantar. Logo, na faculdade, foi estudar Música. Entretanto, a partir dos 18 anos – pois é, pois é… –, ela começou a ficar surda por conta de uma doença e, quando perdeu toda a audição, também perdeu a faculdade, a própria música. Assista ao vídeo abaixo com sua história e apresentação naquele programa, volto depois:

Entendeu o que quis dizer com trocar o pneu com o carro em movimento? Então, sobre o que fazer, bem, o que essa moça fez: não desistir se e quando nada der certo. Tampouco desistir se e quando tudo que deu certo for perdido. Parece clichezão e até seria, não fosse verdade.

Ah, mas e as domésticas, os atendentes do McDonald’s “humilhados” com esse recreio temático? E os pobres que nem chance de tentar vestibular terão, o que dizer a eles? Ué, a mesma coisa.

E também outra coisa que essa moça cantou, com toda a sabedoria:  não culpe ninguém pela sua situação. Não culpe seus pais ou a sociedade ou o Brasil por você ter nascido assim ou assado, ter tido essa ou aquela oportunidade, não ter tido a vida que desejaria ou acredita merecer ou “ter direito”. Porque a única coisa que está no seu caminho é você mesmo. Ou seja, enfrente as adversidades e obstáculos e tente, simplesmente tente. Parece clichezão e até seria, não fosse verdade que, se nada der certo, é sempre possível voltar a tentar.

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Confira o arquivo de colunas de Francisco Escorsim publicadas na Gazeta do Povo até maio de 2017.

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