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E o novo Top Gun segue batendo recordes de bilheteria pelo mundo. Já é o filme da Paramount Pictures mais bem-sucedido, batendo Titanic, que até aqui reinava absoluto. Também no Brasil o filme segue entre os mais assistidos, já quase com dois meses de exibição.
É intrigante tamanho sucesso, pois o filme não tem nada de muito diferente de outros tantos filmes de ação lançados todos os anos. Segue a fórmula com correção, é regular no ritmo, trabalha bem o drama de fundo e não exagera na dose de efeitos especiais e ações mirabolantes.
Se a nostalgia pelo primeiro Top Gun era uma garantia de que não haveria fracasso, por outro lado não explica tantas gerações mais jovens assistindo e adorando o filme. É tentador acreditar que tenha a ver com o fato de não pagar pedágio às pautas progressistas atuais, que em praticamente todo filme e seriado são empurradas à força no espectador, pouco importando a história, o gênero cinematográfico, a forma; enfim, é tentador, sim, acreditar que isso explicaria o sucesso.
Deixo os valentes discutindo sobre suas projeções ideológicas e volto ao filme, que, para mim, é sobre o luto
Se for um pouco disso, é uma boa notícia. Sinal de esgotamento da chamada cultura “woke”, cujos devotos acusaram o filme de “machismo tóxico”, algo assim. O que, por óbvio, fez os soldados anti-woke enaltecerem exageradamente o filme por seus “valores heroicos”, algo assim. E aí é quando começo a falar mais baixo, me afasto devagar e deixo os valentes discutindo sobre suas projeções ideológicas e volto ao filme, que, para mim, é sobre o luto.
Mais especificamente sobre a duração do luto. Em algum momento termina? Se sim, quando? A partir daqui, esteja avisado, vêm spoilers. O drama de fundo do novo Top Gun é o luto vivido por Maverick, a viúva e o filho de Goose, seu parceiro que morreu no primeiro filme.
A viúva é uma personagem ausente, mas decisiva na história, pois a pedido dela Maverick atrasou a carreira do menino, Bradley, que se tornou piloto como o pai. Por causa disso, ele odeia Maverick – que nunca contou que foi um pedido da mãe, não vontade sua –, com quem tem de se relacionar na história por ser Maverick o professor de pilotos numa missão especial.
Goose morreu há mais de 30 anos, mas para Maverick ainda é ontem. O fato de esses 30 anos não serem ficcionais, pois o primeiro filme tem essa idade também, é suficiente para dar verossimilhança à dor de Cruise, fazendo a conexão emocional com o espectador acontecer sem que seja preciso de muito contexto.
O sofrimento do luto longo só é percebido por quem preste a devida atenção no enlutado. Em geral, justo pela distância no tempo, o enlutado se fecha, não divide muito, receia que achem errado “ainda” se sentir assim, que já deveria ter “desapegado” e seguido em frente. Maverick não demonstrava seu sofrimento, era algo “dele”. Só quem o conhecia bem sabia, como “Iceman”, interpretado por Val Kilmer (único ator, além de Tom Cruise, a reprisar seu papel no novo filme), e Penny, ex-namorada que volta a ser namorada no filme.
A cena dele contemplando Bradley ao piano tocando a música que ele e o pai cantavam, sendo visto apenas por Penny, que dele se compadece, está entre as melhores coisas do filme, fazendo o espectador “sentir junto” sem precisar ser esclarecido de nada. Só não é melhor que a cena de Iceman lhe dizendo que é hora de “desapegar” (“It’s time to let it go”).
O sofrimento do luto longo só é percebido por quem preste a devida atenção no enlutado
Cruise, em boa atuação, sem quase nada dizer, apenas com sua expressão facial, mostrou o quanto isso lhe era difícil, o quanto vinha carregando o peso da morte de Goose, o cuidado com sua família, tentando ser um pai para Bradley, mesmo a distância. Como “let it go” algo assim, algo que o moldou como pessoa, que se tornou parte de quem ele era?
Mas o pedido funcionou porque Iceman não estava pedindo para ele esquecer, “superar” ou algo assim. O “let it go” vinha num contexto em que Iceman o estava chamando para que a vida fosse mais do que apenas perda, ausência. O que Iceman fez por Maverick, chamando-o para treinar aqueles pilotos, foi dar-lhe a ocasião para curar a relação com Bradley, transformando-a naquilo que ela deveria ser: a de pai e filho.
Para o enlutado, ficar “apegado” à memória é uma forma de a morte não vencer o amor. O problema nunca estará nesse “apego”, portanto, mas no fazer da vida apenas isso, reduzi-la à falta, à ausência. Maverick, aceitando o chamado, não “superou” luto algum, mas permitiu que o amor transfigurasse a morte em motivo de vida. Por isso, o luto nunca termina, apenas transforma o amador na cousa amada.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos