Para Julio, Eduardo, Steeve, Rafael e Waldemar
Neste ano completei 20 anos de formado em Direito. Não aceitaria os parabéns, antes os pêsames, não fosse pela faculdade ter me trazido grandes amigos. Do tipo que te dão de presente uma viagem para o Chile junto com eles para celebrarmos a data.
Ficamos em Santiago, mas, antes que me perguntem como anda a situação por lá com as manifestações e tal, aviso que passei mais tempo dentro de botellas de viño do que prestando atenção nas filoxeras a demolir o centro da cidade.
Não sabe o que é filoxera? É um inseto pequeno que ataca as folhas e a raiz, sugando a seiva das plantas. Na década de 1860, na região de Bordeaux, na França, uma praga de filoxeras dizimou a casta de uva conhecida como Carmenère. Troque a uva pelo maior IDH da América Latina e deu para entender, né?
A faculdade foi meu tombo de bicicleta. Por ela conheci não apenas grandes amigos, mas também minha esposa
Mas acho que as filoxeras chilenas não conseguirão seu intento; afinal, mais de 100 anos depois, na década de 1990, descobriram que a Carmenère não havia sido extinta, mas levada por engano ao Chile, onde encontrou clima e solo tão adequados que hoje praticamente só existe por lá, em cujas botellas fiquei de buenas.
Fiquei sabendo dessa história das filoxeras já na primeira vinícola visitada, a famosa Concha y Toro, onde fizemos uma degustação conduzida por um sommelier brasileiro, cuja história de como chegou até ali não poderíamos deixar de perguntar e se revelou mais interessante que a da uva Carmenère.
Patrício é mineiro e passava férias em Praia Grande quando uma chilena tombou de bicicleta à sua frente. Cinco anos depois, ele estava casado com ela, morando em frente da vinícola onde começou a trabalhar e aos poucos foi sendo promovido até chegar ao posto de sommelier.
Ah, Patrício é negro, o que torna sua conquista mais significativa, por óbvio, e serve de ótimo exemplo de que amar e trabalhar valem mais que filoxear por aí. Patrício tem cinco filhos, todos encaminhados na vida, vários formados em universidades, acho que um em Direito, como aqueles turistas cheios de graça que recebeu com elegância e simpatia sem igual.
À medida que visitávamos outras vinícolas, bebendo vinhos cada vez melhores e nos empanturrando de ceviches e empanadas regados a muita risada criando novas memórias, mais a história de Patrício me vinha à mente. Um tombo de bicicleta e ele ganhara a vida.
Dei-me conta de que a faculdade foi meu tombo de bicicleta. Por ela conheci não apenas grandes amigos, mas também minha esposa, e se não fosse pelo naufrágio total com o Direito jamais teria tentado sobreviver de outra forma, como esta, aqui e agora, escrevendo.
C.S. Lewis diz que a amizade “não possui valor de sobrevivência; antes, ela é uma daquelas coisas que dá valor à sobrevivência”
Havia muito mais a comemorar do que eu imaginava e acho que não iria me dar conta se não fosse por aqueles caras cuja generosidade foi maior do que jamais merecerei e poderei retribuir. E nada mereceu mais brindes do que nossa amizade, afinal, como ensinou C. S. Lewis:
“Em um círculo de Amigos genuínos, cada homem é simplesmente o que ele é: permanece como nada senão ele mesmo. Nenhum se importa absolutamente sobre a vida, profissão, classe, renda, raça ou história prévia do outro. É claro que você saberá sobre a maioria destas no final. Mas casualmente. Elas virão aos poucos, para fornecer uma ilustração ou uma analogia, servir como ganchos para uma anedota; nunca por sua própria causa. Esta é a realeza da Amizade. Reunimo-nos como príncipes soberanos de Estados independentes, num país estrangeiro, em campo neutro, libertados de nossos contextos.”
É impossível discordar do mesmo autor quando concluiu dizendo que a amizade “não possui valor de sobrevivência; antes, ela é uma daquelas coisas que dá valor à sobrevivência”. Se você discorda, bom amigo já sei que não é! Obrigado, garotos, de coração. Salud!
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