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Semana cheia, não? Tentativa de assassinato do Trump; suicídio da grande imprensa na cobertura imediata do fato (“caiu do palco”); finais da Eurocopa e Copa América; anúncio do candidato a vice na chapa do mesmo Trump; os memes intermináveis e divertidos da insaciável gula taxadora dos exterminadores do futuro, Lula & Haddad; o ex-condenado falando que, se o cara é corintiano, “aí tudo bem” bater na mulher depois do jogo; 30 anos da conquista do tetra. E estou na quarta-feira ainda, que é quando escrevo.
Assunto, portanto, não faltaria para uma “coluna de opinião”. Poderia aqui chover no molhado em cada um desses temas, mas a verdade é que para cada gota de obviedade me vinha à mente o que uma escritora me contou em um bate-papo sobre sua obra, de que participei meses atrás. Ela também é colunista de jornal, da Folha de S.Paulo, e falávamos sobre o ofício, quando me contou o que Mário Prata (que espero dispense apresentações ao leitor) costuma lhe recomendar, com insistência: “crônica, escreva crônica”.
A razão da recomendação, segundo entendi, tem a ver também com a tentação de opinar ou pontificar sobre tudo, principalmente quando o assunto parece exigir se posicionar, quando o colunista se ilude sobre sua importância e pensa que é um Zola em seu momento J’accuse. Quase nunca é – e, quando é, não é porque quer, quando quer. Nessas horas, a crônica salva o escritor, a velha e boa breve narrativa sobre o cotidiano, transfigurando-o.
O chamado à crônica é uma súplica ao desarme, à abertura para uma conversa, que pode até ser sobre esses temas todos que agitam a semana, mas não como quem pega em armas ou atira pedras em vidraças
Entendo perfeitamente. A tentação e a súplica. Consigo imaginar Mário falando, com uma certa angústia disfarçada de despretensão. Tive o prazer de conhecê-lo em uma viagem de barco pelo Rio Negro, na Amazônia, em 2017, em um evento literário. Das melhores lembranças dessa viagem são as poucas conversas com ele, no deck do navio desfeito de sinal de internet.
Mário é de outra geração, de uma época em que a liberdade pública podia ser quase inexistente para um escritor, mas a liberdade na vida privada, comparada com a de hoje, era infinita. Hoje, nas relações pessoais, nossa liberdade é ínfima, vigiada por câmeras e microfones de smartphones e controlada por um Zeitgeist que faz a autocensura parecer prudência, quando é apenas insegurança do que se pode ou não falar, pensar, dizer. Diálogos francos ficaram inviabilizados, salvo para relações de longa data e muita confiança. E olhe lá.
O chamado à crônica, no fundo, é uma súplica ao desarme, à abertura para uma conversa, que pode até ser sobre esses temas todos aí que agitam a semana, mas não como quem pega em armas ou atira pedras em vidraças. Mais como quem convida para um café que acabou de passar em casa ou puxa uma cadeira para quem se encontrou sem querer num bar, com o garçom já servindo um chope recém-tirado que não foi preciso pedir.
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Mas andam difíceis essas conversas, esses convites. É provável que vários leitores estejam nos comentários xingando ou reclamando porque citei a Folha de S.Paulo e/ou o Mário, afinal, seriam “do lado de lá” (sei lá de que lado o Mario é, só sei que torce para um Atlético, o que nos aproxima, ainda que o Atlético dele seja o Linense e falte um “h” entre o “t” e o “l”). Vários, mas espero que não a maioria. De qualquer forma, o café está servido para todos, a casa é sua.
Fui reler algumas crônicas do Mário e descobri que lançou, no ano passado, Pelo Buraco da Fechadura Eu Vi um Baile de Debutantes – Quase uma Autobiografia. Baixei uma amostra. É como um conjunto de crônicas ou uma longa crônica sobre sua vida. Seu filho, Antônio, também escritor e que também escreve para jornal, escreveu o prefácio, no qual diz que a primeira qualidade do pai é sua capacidade de fazer amigos. Verdade. Não cheguei a ser um, mas poderia, era questão de mais tempo naquele barco. Ou na vida.
Em entrevista quando do lançamento do livro, Mário contou o que aquela escritora havia me dito, também recomendando ao filho a mesma coisa: “Às vezes ele desvia, aí só mando um ‘volta para a crônica’. Para segurar ele na crônica, porque a crônica está morrendo”. Espero que esta coluna caia na conta das crônicas. Enfim, não quer mesmo um cafezinho? Vai esfriar. E o vice do Trump, conhece? Nem eu. Quer leite? Tem chocolate também.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos