Esta semana fui lembrado de um episódio do seriado Scrubs, que fez sucesso uns bons anos atrás, no qual Colin Hay, mais conhecido por aqui como o vocalista do Men At Work (a banda você conhece, não?), aparece o tempo todo com um violão tocando um dos sucessos da banda. Quase no fim, um dos personagens, de saco cheio de ser obrigado a escutar a mesma música por diversas vezes, arrebenta o violão na parede.
É como me sinto quando não há como evitar de dar atenção a Lula, como agora com a repercussão de sua fala (que não foi de improviso, é importante destacar) em que cometeu a barbaridade de igualar supostos crimes de guerra de Israel ao Holocausto sofrido pelos judeus. Escutar Lula com aquela voz soando como o arranhar de cacos de vidro estilhaçados já é desagradável, independentemente do conteúdo da fala. Imagine, então, quando banca o porta-voz do Hamas, que até cartinha de agradecimento lhe enviou depois?
Ando evitando escrever sobre essas coisas, porém. De que adianta mais um quebrando violões na parede? Até porque o desopilar da bile daqui só alimenta a bile daí. O leitor, já enfurecido, pode até se sentir momentaneamente representado por outros arremessando as pedras que vem acumulando na alma, mas no fim das contas sairá apenas mais abastecido delas, tornando a vida um tanto mais insuportável.
Ando evitando escrever sobre coisas como política ou Lula. De que adianta mais um quebrando violões na parede? Até porque o desopilar da bile daqui só alimenta a bile daí
Prefiro substituir Lula por Colin Hay, cujas músicas também não tenho mais paciência para escutar. Não por não gostar, pelo contrário. Tanto que fui ao show dele ocorrido em Curitiba na última terça, no qual tocou usando o nome da sua famosa banda dos anos 1980, ainda que restasse apenas ele dos integrantes originais e que o show contivesse várias músicas de sua carreira solo.
Acontece que algumas das músicas do Men At Work tocaram e tocam tanto no rádio que enjoei. Quando mal começa o saxofone ou a flauta, mudo de estação. E aposto que você já sabe de que músicas estou falando, ainda que não lembre ou saiba seus nomes. Se aparecem nas playlists em que as coloquei, também dificilmente escuto. Por que, então, arriscar-me a escutar a rádio Ouro Verde ao vivo (ou Antena 1, Alpha FM, ou qualquer que seja o nome da estação de easy listening na sua cidade), perigando acabar a noite querendo quebrar a guitarra dele na parede? Bem, it’s just overkill.
Na verdade, enfrentei meu ranço nos dias anteriores, conhecendo melhor a carreira de Colin. Assisti também a um documentário sobre sua vida, feito anos atrás, que foi o que me lembrou do episódio de Scrubs. Foi por causa do seriado que Colin Hay voltou a ser conhecido pelas gerações mais jovens, aliás. Antes, sofria no quase ostracismo, o que é surpreendente depois de a banda ter feito tanto sucesso, com milhares de discos vendidos, e até conquistando um Grammy. A banda se desfez ainda nos anos 80, seu casamento acabou, perdeu-se de si e a carreira solo ia de mal a pior, chegando ao ponto de um de seus shows não ter vendido um mísero ingresso.
A reconstrução foi lenta, mas aconteceu. Jamais abandonou os palcos, nunca deixou de compor e não se vê aposentado antes de morrer. Aos 70 anos, seu bom humor é jovial (até sambou no palco) e sua voz continua a mesma (periga até estar melhor), o que é ainda mais impressionante quando se compara com cantores mais novos, como Axl Rose ou Bono Vox, cujas vozes parecem ter desaparecido. O título do documentário é o mesmo da música que melhor retrata sua reconstrução, Waiting for my real life to begin, que tem versos como: “Quando acordei hoje, de repente nada aconteceu / Mas nos meus sonhos, eu matei o dragão / E por este caminho batido, e por esta rua de paralelepípedos / Estou seguindo meus velhos passos, mais uma vez (...) / Deixe-me jogar mais um dado / Eu sei que posso vencer / Estou esperando minha vida real começar”.
Casou-se novamente; sua esposa faz parte da banda, inclusive, com uma energia impressionante, contagiante. No documentário, aliás, ela arranca com facilidade várias risadas de Colin; risadas de quem não apenas recomeçou a vida, mas venceu. Saí feliz do show, e agradecido também, principalmente grato. Quando acordei no dia seguinte e vi espalhadas pela tela minhas notas para esculhambar com o ex-presidiário ocupante temporário da cadeira presidencial, deixei o silêncio falar: “Você não está ouvindo, não está ouvindo o trovão? / É melhor correr, melhor buscar abrigo”. É, it’s a mistake. Desisti de escrever e devolvi o violão antes de quebrá-lo.
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