Na minha coluna da semana passada, fiz uma reflexão sobre racismo. Minha tese é a seguinte: devemos tratar as pessoas enquanto pessoas e não enquanto membros de um grupo classificado por raça. Tratar as pessoas enquanto pessoas é reconhecer o valor e a dignidade intrínsecos em cada um de nós desde a concepção. Ser pessoa, nesse sentido, significa ser membro de uma comunidade moral; em outras palavras, valemos não por ser isto ou aquilo, mas por ser alguém. É um valor acima de qualquer outro, dado pela nossa própria natureza humana de seres racionais e livres.
Já o conceito de “raça” é uma construção teórica advinda das mentes mais doentias querendo transformar a si mesmas em seres superiores para poder subjugar coisas inferiores. A longa história do racismo é a história de uma profunda doença do espírito. Os mitos racialistas messiânicos, que acreditam na supremacia histórica de uma raça em detrimento de outra, têm origem em pseudociências e em mais um monte de bobagens de perigosas ideologias.
Nessa semana, conversei com o professor de Filosofia e colunista da Gazeta do Povo Paulo Cruz acerca de alguns tópicos que sempre aparecem quando falamos em racismo. Paulo Cruz é formado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção, e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de SP. Também trabalha como professor de Filosofia e Sociologia no ensino público, no estado de São Paulo. Em 2017, foi um dos agraciados com o prêmio Ordem do Mérito Cultural, honraria concedida pelo Ministério da Cultura, anualmente, por indicação popular, a nomes que se destacaram na produção/divulgação cultural do ano corrente.
Na semana passada, foi comemorada a Abolição de Escravatura no Brasil, recordando a Lei Áurea, sancionada em 1888 pela Princesa Isabel. Para você, quão significativo foi o 13 de maio?
O 13 de maio é a data mais importante da história brasileira. Mais importante que o Descobrimento e a Independência, porque conseguimos nos livrar de um sistema que tinha extrapolado todos os limites da civilidade. Mas a abolição não deve ser olhada em retrospectiva, pois o que temos hoje – uma desigualdade socioeconômica na qual os negros são os mais pobres – não é uma consequência direta dela. Outros eventos, como o golpe republicano de 1889, o patrimonialismo e as oligarquias políticas, têm mais relação com a realidade de hoje que o 13 de maio.
Como você julga as noções de “racismo velado” e “racismo estrutural”? São noções consistentes e corretas?
Penso que racismo velado (ou cordial) é mais uma mentalidade cultural do que racismo; é um preconceito. O brasileiro está acostumado a ver o negro em posições subalternas ou de suspeição, mas muito porque a realidade, por muito tempo, foi essa. É preciso mudar a imaginação moral do brasileiro, e isso leva tempo. Racismo estrutural não existe, pois não há, no Brasil, um sistema, mesmo velado, que impeça a mobilidade social do negro. Há, sim, um sistema que dificulta a mobilidade social de todos; e, se os negros são os mais pobres, consequentemente, são os mais visivelmente atingidos. Como dizia André Rebouças, ainda no século 19, o Brasil precisa de mais liberdade econômica e liberdade de associação.
Pessoalmente, considero que as políticas identitárias têm um fundo teórico dos mais subversivos para a ordem social, já que vincula todas as relações humanas aos círculos de afetos. É o subjetivismo ressentido levado às últimas consequências e, ainda por cima, potencializado como pura expressão de poder. Como não há qualquer referência objetiva, dentro da fluidez da identidade afetiva, tudo é permitido. Você concorda com isso? Qual sua avaliação das políticas identitárias com relação aos movimentos negros?
As políticas identitárias não passam de construção de militância política; são, como eu tenho dito, escravidão ideológica.
Como você tem se posicionado com relação às cotas raciais? Elas corrigem uma “dívida histórica”?
As cotas são uma forma egoísta de tentar resolver um problema real de maneira artificial. Não lutar pela educação das crianças, na sua formação de base, e depois entregar aos jovens um “vale universidade” para que eles entrem, totalmente despreparados – não só para estudar, mas para tornar-se um adulto moralmente responsável por sua trajetória –, é empurrar os negros, primeiro, para a militância política – como fazem cursinhos como Educafro – e, depois, para a ignorância institucionalizada.
Como o racismo deve ser combatido?
O racismo deve ser combatido quando se manifestar. Os racistas de fato não devem ser confundidos com aqueles que, por motivos variados, dizem coisas ou têm atitudes racistas. É preciso separar o idiota do criminoso. Alguém que tenha uma convivência absolutamente normal e fraterna com negros pode, num momento de raiva, usar termos racistas para ofender outrem. Esse é o ser humano. O racista tem convicção de sê-lo, justifica seu racismo e dificilmente convive harmoniosamente com negros – ao contrário: se puder, os prejudica. O fato é que o racismo nunca deixará de existir, e não somente com negros; o racismo é, em termos cristãos, um pecado. O negócio é não darmos a ele maior importância do que ele tem.
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