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Eu compreendo que neste atual momento de pandemia haja muitos outros assuntos que poderiam ser qualificados como “mais urgentes e extremamente relevantes” do que o assunto banal que trago hoje aqui. Entretanto, sinceramente, até para espairecer um pouco, gostaria de responder a uma pergunta que esses dias me fizeram: por que eu jogo videogame?
Jogar videogame tem sido um dos meus entretenimentos favoritos, principalmente durante este ano de pandemia. Jogo desde a época do Atari, meu primeiro console. Fui – e isso não é exclusividade minha – fã incondicional de jogos como River Raid, Frostbite e Enduro, verdadeiros clássicos da década de 80, que esses dias instalei no smartphone pra apresentar pro meu filho, que se divertiu por 20 minutos e nunca mais voltou a tocar no assunto.
Fiz muitos amigos e troquei insultos com outros por causa de jogo do Atari. Sou, em suma, da época de pegar cartuchos emprestado e não devolver. Que atire a primeira pedra quem nunca quebrou um joystick de um primo folgado ou fez gambiarra com aqueles famosos e atualmente desnecessários adaptadorzinhos de televisão...
Os bons jogos de videogame podem ser elevados a verdadeiras experiências artísticas, tal como apreciar uma obra de arte
Dos anos 80 pra cá, muita coisa mudou. Digo, muita coisa mudou assombrosamente. Em todos os níveis de qualidade. Quem acompanhou, mesmo que de longe (tipo: namorar a irmã de alguém que gostava de videogame), a evolução dos consoles e dos PCs sabe do que estou falando. Do Nintendo 64 ao Master System, de Mario Bros. a Sonic, o incomensurável desenvolvimento da tecnologia de processadores proporcionou uma sofisticação temática sem precedentes na construção de novos jogos e formas de jogar.
E não digo só a respeito da construção de cenários, da qualidade gráfica, do som e da jogabilidade; mais do que isso, o que me chama atenção é a possibilidade de criar narrativas complexas, com enredos dramáticos e filosoficamente sofisticados; trata-se de um oceano que tem sido explorado pelas mentes mais criativas e geniais – shakespeareanamente falando. Nenhuma tecnologia tem sido capaz de oferecer tantos recursos técnicos para bons roteiristas e artistas.
Para quem já se aventurou nessa nova era dos games, dos jogos com mapas abertos, aperfeiçoamento de habilidades e perfil de caráter ao longo do jogo, sabe que a principal qualidade de jogo é a “imersão”, que significa a experiência de se sentir parte de construção narrativa. Quanto mais um jogador consegue se “unir” ao personagem e ao mundo que o rodeia, mais imersivo é um jogo. Não se trata, portanto, só de estar numa experiência de simulação dentro de um espaço virtual, mas de ser parte ativa das decisões que constroem o enredo e a própria personalidade do protagonista. Aliás, alguns jogos já utilizam inteligência artificial que “ensina” o ambiente e personagens antagonistas a se adequarem à forma como cada jogador joga.
Tornei-me um entusiasta desse tipo de experiência depois de jogar Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, do grande criador Hideo Kojima. Costumo usar o seguinte exemplo para explicar a experiência de imersão: imagine se você pudesse controlar as decisões do protagonista de uma série de tevê ou de um livro? Isso é a imersão. Agora, some essa possibilidade de tomar decisões morais num espaço geograficamente bem construído, com efeitos sonoros extremamente ricos em detalhes e inspiradoras trilhas sonoras?
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Jogar videogame, nesse sentido, ultrapassa a experiência lúdica, do mero divertimento, para propiciar uma experiência estética completa, incluindo possibilidades éticas das mais exigentes, já que você é chamado a tomar decisões num ambiente de exigências morais épicas. O mais impressionante é que tais decisões moldam o caráter do próprio protagonista e suas relações sociais — um caso explorado com maestria em Red Dead Redemption 2, com a jornadas espirituais de Arthur Morgan e John Marston.
Vistos por este aspecto, os bons jogos de videogame podem ser elevados a verdadeiras experiências artísticas, tal como apreciar uma obra de arte. Jogar videogame envolve muito mais do que um passatempo. Trata-se de arte, por sinal, bastante completa, na medida em que consegue vincular experiência musical, poética, fotográfica e narrativa. Enfim, espero poder conversar mais sobre essas aventuras aqui com vocês.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos