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Nesta semana, na escola onde trabalho, tive a oportunidade de organizar uma simulação da Assembleia Geral da ONU. Observar os alunos mergulhados em debates intensos sobre questões globais – nosso tema foi “monopólios digitais e soberania nacional” – despertou em mim uma série de reflexões sobre o problema da linguagem, da compreensão mútua entre as pessoas e dos desafios inerentes à diplomacia.
Coincidência ou providência, nessa mesma semana revi o filme A Chegada (2016), dirigido por Denis Villeneuve. Então, tudo veio à tona.
A história de uma linguista – cuja filha morreu de leucemia – encarregada de decifrar a linguagem de seres extraterrestres (que não se sabe por que estão aqui) enquanto o mundo se afunda no caos tem tudo a ver com a experiência que eu mesmo tenho vivido. Tanto as experiências pessoais quanto as filosóficas. Não quero entrar em detalhes, mas o câncer é uma doença desgraçada...
A chegada de naves gigantescas causa pânico e incerteza em escala global. No primeiro plano narrativo, as nações ao redor do mundo estão em estado de alerta e tentam determinar se os visitantes são uma ameaça ou uma oportunidade. Nos noticiários, o estado de guerra. Lembram-me de situações pós-apocalípticas.
A linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas a própria forma de pensar e viver o mundo
A presença dos alienígenas representa a manifestação máxima da alteridade – o “outro” absoluto que desafia nossas concepções de identidade e diferença. É a camada do estranhamento total. Essa alteridade extrema força a humanidade a confrontar o desconhecido e a reavaliar seus preconceitos e medos em relação ao que é diferente. No filme, esse confronto é vivido por Louise.
A comunicação entre os países torna-se tensa, com informações sendo retidas e a desconfiança aumentando. A incapacidade de compreender os alienígenas espelha as dificuldades enfrentadas que todos nós temos ao lidar com culturas diversas, onde a falta de entendimento leva à incompreensão e ao conflito. O medo do desconhecido fala mais sobre nós do que sobre o outro. Como se tornar hospede sem habitar, de fato, entre nós? (Uma das coisas interessantes é que as naves dos alienígenas nunca tocam o chão). Diante dessa dúvida, governos interpretam as ações dos alienígenas como hostis, preparando-se para um possível confronto.
O filme tem essas três camadas: a primeira, descobrir os motivos dos alienígenas; a segunda, os conflitos humanos intensificados pelo medo do desconhecido; e, por fim, os dramas da protagonista, Louise Banks.
Quando 12 naves extraterrestres aterrissam em diferentes pontos do planeta, Louise é recrutada pelo governo dos Estados Unidos para decifrar a complexa linguagem dos alienígenas, na esperança de descobrir suas intenções e evitar um possível conflito global.
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Diferentemente da mentalidade bélica dos governos, a abordagem de Louise é marcada pela empatia e pela busca genuína de compreensão. Isso, obviamente, contrasta com a postura defensiva e desconfiada das autoridades militares.
Seus dramas pessoais a tornam mais sensível às nuances da comunicação e mais determinada a estabelecer uma conexão real com os heptápodes. Conforme ela se aprofunda na linguagem alienígena, começa a experimentar uma percepção não linear do tempo, o que a leva a revisitar memórias de sua filha sob uma nova luz.
Curiosamente, em determinado momento, Louise cita a hipótese de Sapir-Whorf, que propõe que a linguagem influencia o pensamento e a percepção da realidade. Essa teoria é fundamental para entender como a comunicação com os heptápodes exige uma verdadeira transformação cognitiva.
A hipótese de Sapir-Whorf sugere que a estrutura da linguagem que falamos determina nossa compreensão do mundo. Conforme Louise internaliza a linguagem dos alienígenas, sua percepção do tempo e da realidade começa a mudar. Ela passa a experimentar o tempo de forma não linear. Ela sonha à luz dessa nova forma de ver o mundo. Isso ilustra a ideia de que a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas a própria forma de pensar e viver o mundo.
Um dos aspectos mais fascinantes de “A Chegada” é a representação do tempo de forma não linear
A compreensão de Louise torna-se crucial quando tensões internacionais ameaçam escalar para um conflito armado devido a mal-entendidos e desconfiança entre as nações. Em certos momentos, o filme é narrado em primeira pessoa, justamente para o espectador viver a realidade a partir da experiência de Louise, evoluir com ela. Até quebrar totalmente a própria percepção da realidade.
Um dos aspectos mais fascinantes de A Chegada é a representação do tempo de forma não linear. Conforme Louise Banks desvenda a complexa linguagem dos heptápodes, ela começa a experimentar o tempo como um todo simultâneo onde passado, presente e futuro coexistem. O fato é que nós, espectadores, também. Essa percepção é diretamente influenciada pela estrutura circular da linguagem alienígena. Eles “escrevem” de forma em que cada símbolo representa um conceito completo sem uma ordem temporal definida – como é a estrutura da linguagem humana, condicionada pelo tempo. Ao internalizar essa “forma simbólica”, a mente de Louise (e do espectador) se reconfigura para perceber o tempo da mesma maneira que os heptápodes.
Quando vamos desvendando isso, a experiência de amor atua como uma espécie de catalisador nessa nova percepção temporal. Explico. O filme claramente defende que o amor é uma linguagem universal, capaz de unir diferentes seres além das fronteiras culturais ou mesmo biológicas. Todo conflito bélico entre as nações, com seus protocolos e discussões inúteis, cede espaço para o elemento crucial entre estranhos absolutos: o amor. Nesse sentido, o amor é apresentado como a única força eterna e unificadora capaz de representar a forma não linear do tempo.
Ao abraçar plenamente suas experiências, independentemente de serem dolorosas, Louise exemplifica a aceitação da natureza cíclica e eterna da vida. Seu amor incondicional pela filha e sua disposição para vivenciar a plenitude da experiência humana representam a conexão com algo maior e atemporal. Isso tudo me lembra de Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres”. O resto é a cidade dos homens e suas mesquinharias.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos