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Lamentavelmente, expressões ligeiras como “meu corpo, minhas regras”, “o aborto é problema de saúde pública”, “homem não tem lugar de fala”, “embrião não passa de amontoados de células” e tantas outras fórmulas pretensiosamente mágicas desfiguram e banalizam o exigente tema do aborto. Sem eufemismos, os únicos problemas que precisam ser resolvidos quando se discute aborto são os seguintes: Se o aborto consiste na decisão deliberada de uma mulher interromper a gravidez, cuja consequência inevitável é a morte do nascituro, aborto precisa ser compreendido como problema ético e de direito. Em última análise, trata-se da ética do direito de matar.
Dentro de um quadro de referência filosoficamente exigente, pergunta a ser respondida é esta: quem é o nascituro? À ética do direito de matar se junta outra área de investigação: a Antropologia Filosófica. Refere-se àquela área de investigação acerca do que vem a ser isto – o ser humano. Ora, se é pessoa desde o momento da concepção, por ser alguém e não um mero algo, merece todo respeito ético e proteção legal.
A dignidade das pessoas deve ser mais do que um mero atributo social e historicamente condicionado. A complexidade do tema não permite que a discussão seja reduzida pela força tirânica da simplificação ideológica. E, pela complexidade inerente ao tema da ética do direito de matar, a solução não está nas bravatas públicas dos ativistas. Por outro lado, o problema moral do aborto não se encerra na descrição científica de um organismo vivo e da descrição do processo de seu desenvolvimento biológico, sociológico e econômico.
Em última análise, trata-se da ética do direito de matar
A controvérsia gira em torno de uma resposta para uma pergunta fácil de formular, mas difícil de responder: o que é isto — a pessoa humana? Sem uma resposta relativamente segura a essa pergunta filosoficamente difícil não será possível pensar o problema mais importante no caso do aborto: “Se o nascituro já existe como pessoa desde o momento da concepção, faz sentido permitir que ele seja morto pelo processo do aborto a fim de assegurar esse direito às mulheres?”
Precisamente por isso, outra pergunta aqui não pode ser ignorada: quando se fala em direito, do que se fala? À ética do direito de matar e à Antropologia Filosófica exigem mais outra abordagem: a da Filosofia do Direito. É desta disciplina a responsabilidade de responder: O que é isto – o direito?
As ciências da natureza podem nos dizer muitas coisas sobre organismos vivos; porém, não diz respeito ao método científico se somos ou não pessoas, o que devemos e o que podemos fazer em sociedade para fazer o certo e o justo. Não há “pessoas” em tratados científicos, assim como não há “o bem”, “a felicidade” e “a justiça”. A categoria “pessoa” é irrelevante para o método da ciência natural.
Por este motivo, a descrição da experiência interpessoal responsável por fornecer sentido à sentença “o embrião é uma pessoa” precisa ser distinta em ordem e qualidade da descrição objetiva da ciência “este organismo vivo é um embrião”. Essas ordens descritivas da realidade, natural e interpessoal, não se anulam; mas subsistem enquanto formas legítimas de compreensão de duas ordens da realidade: a realidade natural e a realidade humana. E nenhum tratado científico poderá responder perguntas do tipo: o que eu devo fazer para fazer o que é certo e justo?
Recentemente, foi publicado no Brasil pela editora Lumen Juris, o livro Aborto entre Direito e Moral: Abordagem bioética personalista do nascituro e jusfilosófica do direito à vida na nova teoria da lei natural, de Lucas Oliveira Vianna e Matheus Thiago C. Mendonça. Considero o melhor livro que li a respeito, porque apresenta cuidadosa abordagem a partir dos problemas fundamentais em Filosofia do Direito, Ética e Antropologia Filosófica. Tais autores não se deixam levar pela tentação das fórmulas fáceis do ativismo panfletário. Ao contrário, com coragem e rigor, elevam o debate a novos patamares da exigência teórica.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima