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Quem tem o mínimo de preocupação com o estado atual do ensino deveria saber que férias escolares não servem só para a gente esquecer dos problemas. Sou professor há 19 anos. Comecei cedo e cheio de entusiasmo. Como dizem por aí: queria mudar o mundo já saturado de ser interpretado pelos filósofos. Torná-lo mais justo e mais igual. Melhor e mais digno de ser vivido. Hoje, aos 40, reconheço os perigos de todo entusiasmo revolucionário — e reacionário. O discurso político de transformação social, que aponta para o futuro ou para o passado, nunca me convenceu muito. Então, acreditei, a escola prometia caminho seguro para libertação. Quanta bobagem…

Descobri problemas muito mais concretos e instigantes do que sonhos utópicos de uma pedagogia falida: a existência de Deus, o problema do mal e o sentido do sofrimento são só alguns deles. A escola não é lugar para mudar o mundo e libertar oprimidos, mas para ajudar a gente a tomar consciência de que certas coisas precisam ser preservadas. Alguma ordem significativa deve resistir ao caos. Não adianta o ardente desejo de justiça e transformação social sem dominar os rudimentos da linguagem, da interpretação de texto e da regras de três. Analfabetismo não é sintoma, mas a causa de muitas mazelas, sobretudo relacionadas à comunicação. Nos sonhos, parece ser mais fácil imaginar o mundo um lugar mais justo do que decorar a tabuada do 7.

Nesses anos todos em que trabalho com educação, as coisas que mais me atormentaram foram a violência dentro das escolas e a insegurança dos professores. Professores estão esgotados, e não em virtude do salário, que por si só já é um problema. O pior é o sentimento de impotência diante de alunos desinteressados e violentos. A ignorância e o tédio formam mistura explosiva na mente improdutiva e passiva. Em escola pública os dramas se acentuam. Obviamente, falo a partir da minha experiência em escolas do interior do Estado de São Paulo. Oito anos de experiência e frustração, salvo raros momentos de alegria. Muitos amigos professores, que dão aula em vários lugares do país, expressam o mesmo sentimento. O estado é crítico.

A violência pública tem razões históricas, sociológicas, econômicas e, arrisco dizer, espirituais. Contudo, por que, além de Joãozinho sair da escola sem saber ler e fazer a tabuada do 7, sua experiência escolar foi marcada por violência, contato com drogas e apatia? Meu palpite de férias é o seguinte: por uma equivocada mentalidade pedagógica que buscou transferir o que acontece no mundo para dentro da escola — por mundo, refiro-me à esfera imediata da vida em sociedade, a esfera do bom senso que não requer, num primeiro momento, teorização e especialistas. Em uma palavra: a experiência de que alguma coisa não vai bem entre nós, e ninguém precisa de um sociólogo, apresentando planilhas e gráficos, para confirmar isso.

Em linhas gerais, a relação de abertura entre mundo da vida e os muros da escola é o resultado de um sistema pedagógico que defendeu a escola não como um lugar privilegiado de estudos, liberdade e aprendizagem. Pelo contrário, pedagogos, demagogos e burocratas transformaram a escola em um lugar aberto à vida: a tal da “escola aberta”, “democrática” e “igualitária”.

A partir da perspectiva pedagógica de que a escola deveria ser “aberta” ao mundo, houve mudanças profundas na prestigiada paisagem que diferenciava vida de aprendizado da vida social. Se a escola deveria ser um lugar distinto e seguro, um ponto quase-ideal de referência e convergência de valores com o objetivo de capacitar o estudante a adquirir conhecimentos básicos e experimentar, em nível provisório e de treino, a liberdade responsável, depois da “abertura da escola” falar dessas coisas não faz o menor sentido e talvez não seja seguro.

Com a abertura da escola para a vida, foram apagadas as fronteiras responsáveis por demarcar o espaço pedagógico do espaço da vida¸ por diferenciar escola de sociedade. Embora o espaço escolar seja, de fato, um espaço social, o espaço social não pode determinar o escolar. Escola não é uma sociedade em miniatura, e muito menos deveria servir de experimentos para resolver os dilemas da vida social. O espaço escolar precisa resgatar o que lhe é próprio e contribuir com as outras instituições a manter a ordem social.

A princípio, poderia ser interessante pensar que a “escola aberta tem como objetivo primordial preparar os alunos para vida e para o mundo”. No entanto, o que se viu foi justamente o contrário: tudo o que se passa no espaço no mundo entrou para o espaço da escola. Se existe violência no mundo, por que não haveria violência na escola? Se há consumo de drogas no mundo, por que não haveria consumo de drogas na escola? Se o mundo enfrenta crise de valores e sentido, por que a educação escolar não perderia seus valores e sentido?

Fora a atual presença de todos os problemas criados pelo espaço virtual das redes sociais — a escola não consegue se proteger do que se passa nas redes do jeito que talvez um dia se protegeu do mundo. Só por curiosidade: lembro-me que na minha época de estudante, entre os anos 80 e 90, a maior preocupação dos gestores de ensino era com o consumo de drogas; hoje, as drogas se tornaram um problema secundário perto do vício do celular e das redes sociais.

Fruto do relativismo, a homogeneização de todos os espaços e a neutralização de todas as diferenças passaram a ser o imperativo ético no mundo atual: não há mais diferenças entre o íntimo e o público, o sagrado e o profano, o homem e a mulher, e certo e o errado, a sala de aula e o quarto. As redes sociais potencializaram ainda mais essa confusão. Todos os valores e todos os espaços são equivalentes. Sem diferenciação, sobra o caos. A escola incorpora para dentro de si a sociedade em toda sua grandeza e miséria, principalmente ao trazer para si os mesmos problemas da sociedade: violência, drogas, ideologias…

Uma evidência é a noção de ensino como ato político, de que a sala de aula também deve ser um espaço de “luta”, “democratização”, “justiça social”, de que professor e aluno precisam assumir um “posicionamento”, enfim, de que a escola é o lugar da “socialização e senso crítico”. Quando, na verdade, a escola deveria ser o lugar sagrado de aprendizado, liberdade e, por excelência, reflexão. Depois da “escola aberta”, a escola se tornou o lugar de ameaças, perseguição, gritaria, apatia moral e, principalmente, servilismo ideológico.

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