Entre rainhas e princesas, entre camponesas e poetisas, entre teólogas e santas, a religião cristã foi a religião responsável pela libertação das mulheres. Na concepção cristã, mulher não nasceu para reproduzir e ficar caladinha em casa servindo o marido. Mulher nasceu para contribuir com o homem como parceira da criação. É, pois, em essência, imagem e semelhança de Deus.
O historiador Jacques Le Goff, em Uma Longa Idade Média, em um capítulo chamado “O cristianismo libertou as mulheres”, escreveu: “Maria, Maria, Madalena, Marta... Os Evangelhos estão povoados de figuras femininas que rodeiam Cristo e o inspiram. O cristianismo medieval, longe de reduzir a mulher a um papel secundário, deu-lhe um verdadeiro lugar ao lado do homem”.
Não foi o cristianismo que legitimou a submissão política das mulheres. Que tipo de submissão seria essa que pede para o homem reconhecer em sua mulher o corpo de Cristo?
Perguntado se “Eva é, na origem, um pedaço de Adão. A mulher saiu do corpo do homem e não tem identidade”, Le Goff responde: “É verdade que ela foi criada a partir de uma costela de Adão, do qual ela depende, portanto, em seu ser de carne. Ela é um pedaço de Adão, mas não podemos nos contentar com essa definição. Uma das reflexões mais interessantes, no meu modo de sentir, é a de Tomás de Aquino, no século 13. Ele disse mais ou menos o seguinte: Deus criou Eva a partir de uma costela de Adão, não a criou a partir da cabeça, isso significaria que via nela uma criatura superior a Adão; inversamente, se a tivesse criado a partir do pé, ela seria inferior. A costela é no meio do corpo e esse gesto estabelece a igualdade entre Adão e Eva segundo a vontade de Deus. Creio profundamente que é esta ideia que vendeu na concepção cristã da mulher e na visão, se não prática, da Igreja a respeito da mulher: a mulher é igual ao homem”.
Em passagem da Carta aos Efésios, São Paulo escreve que “as mulheres também se submetam, em tudo, a seus maridos”. Frase usada de maneira torpe por canalhas que não pensam duas vezes para apontar o dedo na cara do cristão e alegar que “o cristianismo defendeu a submissão das mulheres”. O inverso também é verdadeiro: muitos cristãos, sem qualquer cuidado de exegese, instrumentalizam essa passagem para legitimar a opressão das mulheres.
Contudo, São Paulo jamais defendeu submissão como opressão do poder político. Defendeu, ao contrário, submissão do casal ao amor de Cristo. O que São Paulo escreveu foi isto: “Ora, assim como a Igreja é submissa a Cristo, assim também o sejam em tudo as mulheres a seus maridos. Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a pela água do batismo com a palavra para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim os maridos devem amar as suas mulheres, como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo” (destaques são meus).
O que São Paulo defende é o seguinte: entre homem e mulher deve haver submissão mútua no amor cujo modelo é Cristo. Não se trata de dois polos opostos em disputa pelo poder. Fundamentar a relação matrimonial no conflito deforma o sentido cristão do sacramento, que não se refere à ideia de submissão no sentido de uma hierarquia determinada pela opressão da força política. Muito menos a luta pelo reconhecimento entre senhor e escravo – para lembrar de Hegel.
No cristianismo, a mulher não é escrava do homem. Casados, a mulher é como a Igreja. E, como diz padre Paulo Ricardo, o homem deve abrir a porta de sua casa como se estivesse abrindo a porta do sacrário, pois aí, sim, o homem e a mulher viverão um sacramento. Que tipo de submissão seria essa que pede para o homem reconhecer em sua mulher o corpo de Cristo? Não foi o cristianismo que legitimou a submissão política das mulheres.
Na contramão de tudo o que a Igreja Católica pregou, o filósofo Jean-Jacques Rousseau, apenas para dar um exemplo de um famoso filósofo moderno, defendia que mulheres deveriam ser excluídas da vida política. Para ele, a desigualdade entre homens e mulheres “não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão”. Segundo Rousseau, “uma vez demonstrado que o homem e a mulher não devem ser constituídos da mesma maneira, nem de caráter nem de temperamento, segue-se que não devem receber a mesma educação”. Em termos que hoje ninguém se atreveria a pronunciar: mulher cuida da vida doméstica; homem, da vida política.