| Foto: Jakob Baker/Pixabay
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Não cabe a governos determinarem que é a verdade e o que é o amor. Isso não representa democracia, mas autoritarismo. Governos autoritários são conhecidos por tratarem o assunto da verdade como problema de governo. Tirania do amor e da verdade não deixa de ser uma tirania. Na verdade, é o contrário: toda tirania precisa de um discurso a respeito do quanto ama e do quanto diz a verdade.

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A respeito deste assunto, trago comigo uma reflexão do filósofo Ralf Dahrendorf, em seu livro A Nova Liberdade:

“Não há maior perigo para a liberdade humana do que o dogma político, o monopólio de um único grupo, de uma ideologia, de um sistema [...]. Se queremos seguir em frente, melhorar a nós mesmos e às condições em que homens e mulheres vivem neste planeta, temos de aceitar a perspectiva desorganizadora, antagonista, incômoda, mas orgulhosa e estimulante de horizontes abertos.”

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Não sou relativista. Isso significa que defendo a possibilidade de conhecermos a verdade dos fatos e, mais do que isso, também somos capazes de compreender os fundamentos da realidade. É um esforço constante da liberdade. Porém, um esforço que deve ficar longe de partidos políticos e governos. Quando Dahrendorf diz que o maior perigo para a liberdade humana é o dogma político, ele se refere a isso.

Governos representam uma facção da verdade. Quando falam em nome da verdade e do amor, governos passam a ser tiranias

Política de governo é, por definição, partidária. Por ser partidária, necessariamente representa um viés da realidade, não o todo. Por mais que um governo esteja no poder, o poder de um governo deve ser sempre tratado como provisório e limitado. A relação com parte da sociedade consiste numa relação de antagonismos e limites.

Democracia funciona em virtude do conflito social de ideias, ideais e interesses. Ou seja, de uma pluralidade de perspectivas acerca de questões referentes à administração pública, mas também da possibilidade de cada indivíduo e grupo de indivíduos buscar intimamente a verdade e ser corrigido no ambiente da discussão pública. Governos representam uma facção da verdade. Quando falam em nome da verdade e do amor, governos passam a ser tiranias.

Em vista disso, criamos uma estrutura política para colocar limites nas ações de quem manda. O poder precisa ser limitado. O poder político não pode determinar o que é a verdade, pois será sempre um ato dogmático e limitador do questionamento social. Como diz Dahrendorf, essa é uma condição incômoda e para todos os seres humanos. Diferentemente das tiranias, a boa política é a arte de administrar as incertezas.

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Infelizmente, vivemos numa era de muitas certezas e dogmatismos políticos. Reafirmo: não sou relativista e acredito na capacidade humana de compreender a verdade das coisas. Meu problema é com uma facção política assumir para si a tarefa de dizer o que é ou não verdadeiro. Dou um exemplo: a nova campanha do governo federal contra fake news. Não sou a favor da disseminação de notícias falsas. Entretanto, sou contra, por princípio, que um governo – seja qual for – assuma a tarefa de ser o agente do “combate da desinformação”. No vídeo campanha, o texto alega o seguinte:

“O Brasil não suporta mais o ódio, a intolerância e a violência, alimentados todos os dias pelas notícias falsas compartilhadas nas redes sociais e mensagens por celular. Esta campanha é um chamado a cada brasileiro, para que reflita sobre os efeitos destrutivos das fake news nas famílias, na sociedade e no país. Vamos mudar essa história. É hora de checar as notícias e suas fontes e de combater a disseminação de notícias falsas; de promover o respeito, a democracia, a união e a reconstrução.”

Na prática, essa campanha do governo federal está alegando o seguinte: se você criticar o governo federal petista, você espalha ódio, intolerância e violência

Aparentemente parece tudo muito correto e muito bonito. Contudo, o problema semântico está aqui: “O Brasil não suporta mais o ódio, a intolerância e a violência”. Do ponto de vista democrático, não existe o Brasil. Politicamente, existem brasileiros. Cada um pensa diferente sobre uma infinidade de assuntos. Em termos ideológicos, o governo não representa o Brasil, mas um determinado grupo que administra, provisoriamente, e a partir de seus interesses, uma parte – o poder Executivo – do Estado. O Brasil não é o Estado e nem o todo da sociedade.

Quem diz que o Brasil não suporta mais o ódio, a intolerância e a violência não é o Brasil, que não existe politicamente, mas a própria facção chamada governo. No caso, o governo petista. Nesse sentido, trata-se de uma facção ideológica determinando não só o que é a verdade, mas o que é o amor. Na prática, essa campanha está alegando o seguinte: se você criticar o governo federal petista, você espalha ódio, intolerância e violência. Não se trata de uma campanha contra fake news, mas de uma campanha contra críticos do governo.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]