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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Católicas nem com aspas

Aborto no Recife pode resultar em sindicância
Grupo que milita contra ensinamentos da Igreja Católica não pode se autodeclarar católico, segundo decisão da Justiça paulista. (Foto: Bigstock)

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No Brasil, o aborto não é legalizado. Há três casos em que o legislador entendeu que a prática do aborto não deverá ser penalizada: estupro, risco de vida da gestante e anencefalia. Trata-se de uma lei razoável. A balança da justiça é equilibrada. Nem conservadora demais, nem liberal de menos. Prudente, portanto.

Porém, há inúmeros movimentos sociais pressionando a Justiça para puxar a balança para o lado liberal. “Liberal” aqui no sentido apenas de que a decisão do aborto, independentemente da situação, é de foro íntimo da gestante e de mais ninguém. Não importa se o embrião tem dignidade, o que vale é o princípio absoluto da autonomia do próprio corpo da mulher.

No campo das ideias, ou seja, com relação ao fato de pessoas acreditaram que aborto é uma possibilidade genuinamente justificável mediante a razão, qualquer pessoa tem o direito de defender sua posição publicamente.

No caso das Católicas pelo Direito de Decidir, a organização não só não faz parte da Igreja Católica como a condena

No espaço da ordem democrática, o lugar de fala não tem etnia ou gênero, já que a estrutura lógica que sustenta argumentos é indiferente à representatividade identitária. Só que nem sempre de lógica vive o militante de uma causa como a do aborto. A força retórica se alimenta de paixão e reação. Verdade e mentira são valores secundários. Vale quem consegue ser persuasivo pelo lado do afeto: um problema de sensibilidade, não de lógica.

Sinceramente, não tenho problemas com quem defende o aborto. Meu problema é com os dissimulados e manipuladores inescrupulosos. E esse é o caso da organização internacional chamada “Catholics for Choice”, que atua na defesa do aborto desde 1973 e tem sede em Washington, D.C.

No Brasil, o grupo atua desde os anos 90. Aqui a entidade leva o nome de “Católicas pelo Direito de Decidir”. Ou pelo menos levava, já que a Justiça de São Paulo proibiu a entidade de usar “católicas” em seu nome.

Considero justa a decisão da Justiça brasileira. E não acho que isso ameace a liberdade de expressão de ninguém. Qualquer um pode se associar num movimento e defender suas causas. Isso não está em questão.

No caso das Católicas pelo Direito de Decidir, a organização não só não faz parte da Igreja Católica como a condena. O uso de “católicas” no nome é para atrair os ingênuos, e foi escolhido de caso pensado. Segundo uma ex-presidente da entidade, se você vencer os católicos, você venceu a melhor posição contrária ao aborto.

Francis Kissling, que foi presidente da Catholics for Choice entre 1982 e 2007, já disse o seguinte: “A perspectiva católica é um bom lugar para começar, tanto em termos filosóficos e sociológicos como teológicos, porque a posição católica é a mais desenvolvida. Assim, se você puder refutar a posição católica, você refutou todas as demais. OK. Nenhum dos outros grupos religiosos realmente tem declarações tão bem definidas sobre a personalidade, quando começa a vida, fetos etc. Assim, se você derrubar a posição católica, você ganha”.

O uso de “católicas” no nome da ONG é para atrair os ingênuos, e foi escolhido de caso pensado

E qual seria a melhor forma de combater os católicos? Ora, se passando por católico. No entanto, há um problema. Pelo menos aqui no Brasil, vale ressaltar que em 2009 o Brasil e o Vaticano assinaram um acordo. No artigo 3.º deste acordo, assinado pelo então presidente Lula, vem o seguinte:  “A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras”. E, no parágrafo 1.º: “A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo”.

O Brasil reconhece que a Igreja Católica tem personalidade jurídica em conformidade com o direito canônico. No cânone 300 do Código de Direito Canônico, se fixa o seguinte: “Nenhuma associação adote a designação de ‘católica’, a não ser com o consentimento da autoridade eclesiástica competente, segundo as normas do cân. 312”. Já o cânone 312, que regula as Associações Públicas de Fiéis, diz que a autoridade competente para erigir associais públicas católicas é, em última instância, a Santa Sé. O cânone 316, por sua vez, traz o seguinte: “Quem publicamente tiver rejeitado a fé católica ou abandonado a comunhão eclesiástica ou incorrido em excomunhão aplicada ou declarada não pode ser recebido validamente em associações públicas” (destaques são meus).

E, no caso de Associações Privadas de Fiéis, não é muito diferente: “Nenhuma associação privada de fiéis pode adquirir personalidade jurídica sem que os seus estatutos tenham sido aprovados pela autoridade eclesiástica referida no cân. 312”.

Resumindo: se a ONG “Católicas pelo direito de decidir” não tem autorização da Igreja Católica, logo não poderia ser chamada de “católica”, uma vez que a Igreja Católica goza de todas as proteções de personalidade jurídica, inclusive o direito ao nome. Católicas, portanto, nem com aspas.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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