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Brad Pitt em cena de “Ad Astra”.
Brad Pitt em cena de “Ad Astra”.| Foto: François Duhamel/Twentieth Century Fox

Assisto a filmes para entretenimento, e, por isso, vejo todo tipo de filme. Sem frescura, depois de um dia cheio no trabalho – sou professor de ensino médio –, adoro me esticar no sofá com um balde de pipoca e assistir a filmes de muito tiro, porrada e sangue, estilo Anônimo, O Protetor e John Wick.

No entanto, existem obras que me fazem refletir sobre dilemas existenciais, minha relação não tão conturbada com meus pais, minha solidão e, claro, minha finitude e podridão interior. Sei que vou morrer, e há filmes que escancaram a fragilidade da existência. Alguns são realmente chatos, mas outros são excelentes, especialmente quando misturam tensão psicológica, crise existencial e boa ficção científica.

Hoje estava na aula de Filosofia e lembrei-me de um filmaço: Ad Astra. Eu estava explicando um texto nada fácil do filósofo brasileiro Claudio Henrique de Lima Vaz sobre a relação entre ethos e physis – prometo não aborrecer vocês com o filosofês, mas compartilharei o que pensei a respeito de Ad Astra, de um dos meus diretores prediletos: James Cray.

Ad Astra” é uma meditação sobre os limites da exploração externa quando há, na verdade, uma necessidade urgente de exploração e entendimento da nossa vida interior

Ad Astra é um filme de ficção científica que acompanha os dramas pessoais do astronauta Roy McBride, interpretado por Brad Pitt, em uma missão até os confins do Sistema Solar em busca de seu pai, Clifford McBride. A missão de Roy, no entanto, traz à tona questões sobre a solidão, o isolamento e a desconexão existencial em um universo vasto e indiferente, além da nossa necessidade humana por relação interpessoal (a forma como o filme resolve esse tema é de uma simplicidade linda). Viagens para a Lua se tornaram corriqueiras e são feitas por companhias privadas, e esse mundo de tecnologia avançada contrasta com a fragilidade humana. A forma de o diretor conduzir as cenas com o rosto do protagonista bem próximo da tela fortalece isso.

James Gray explora a problemática da busca por sentido em um mundo onde o progresso científico e a exploração espacial parecem, paradoxalmente, ampliar o vazio existencial. Ad Astra é uma meditação sobre os limites da exploração externa quando há, na verdade, uma necessidade urgente de exploração e entendimento da nossa vida interior.

Roy McBride é um homem altamente competente e disciplinado, cujas qualidades fazem dele um astronauta excepcional. Porém, paradoxalmente, são as mesmas qualidades que destroem sua vida pessoal. Roy é o filho do lendário astronauta Clifford McBride, uma figura reverenciada como um herói da exploração espacial. Crescendo à sombra dessa fama, Roy carrega o peso de um legado impossível de igualar. Roy é retratado como alguém contido e incapaz de expressar plenamente seus sentimentos e de se conectar com aqueles ao seu redor. Socialmente falando, é um exilado de si e dos outros. Vive em um permanente estado de estranhamento – um tema muito caro a filósofos existencialistas, sobretudo os cristãos, que sabem que a Cidade de Deus não é desse mundo.

No filme, essa desconexão se torna evidente em sua relação com sua esposa, Eve, interpretada por Liv Tyler. A relação deles é marcada por distanciamento, uma certa frieza e solidão. No primeiro plano da narrativa, Roy é incapaz de lidar com essa relação devido à sua obsessão por seu trabalho e pelo legado de seu pai. A fachada de calma e controle o impede de ser verdadeiramente presente para Eve, que acaba se afastando. Como o filme é praticamente narrado em primeira pessoa, nós acompanhamos, bem de perto mesmo, Roy se afundando em solidão destrutiva.

À medida que Roy avança em sua viagem espacial, ele também se distancia emocionalmente de sua vida na Terra e de si mesmo. O pai de Roy está em uma base espacial próxima ao planeta Netuno. Clifford liderava a missão Lima, uma expedição destinada a explorar os limites do Sistema Solar em busca de vida extraterrestre. As imagens do filme são de tirar o fôlego. Contudo, a viagem pelo espaço deve ser entendida como uma metáfora para a própria busca interior por sentido e redenção.

O que seria da imensidão do universo se não fosse a capacidade humana de atribuir significado a tudo isso?

Em minhas aulas de Filosofia, abordo o seguinte tema: o ethos é uma manifestação primordial da realidade, uma transcrição da physis (natureza) na ação humana e nas estruturas sociais que dela resultam. A physis representa a ordem natural das coisas, enquanto o ethos se eleva acima dela. Em outras palavras, o significado mais sublime da natureza passa pela consciência humana. O ethos, portanto, é onde a razão da própria physis se manifesta. Para ilustrar isso, outro dia um aluno me provocou dizendo que a vida humana não era nada diante da imensidão do universo. Respondi dizendo que pensava justamente o contrário: o que seria da imensidão do universo se não fosse a capacidade humana de atribuir significado a tudo isso? Como a morte, um vazio absoluto.

No contexto de Ad Astra, podemos ver a jornada de Roy McBride como uma luta para reencontrar seu ethos – isto é, seus valores humanos mais genuínos – em um universo que padece de significado. Aqui, o filme lembra muito um livro que trata, embora em outro contexto, exatamente desse tema: Coração das Trevas, de Joseph Conrad. No livro, o protagonista Marlow embarca em uma jornada pelo coração da selva africana para encontrar Kurtz, um homem que, como Clifford McBride, era visto como uma figura enigmática, mas que, na realidade, se perdeu em sua própria loucura e isolamento.

Assim como Marlow descobre as verdades sombrias sobre Kurtz, Roy confrontará as duras verdades sobre seu pai. Os limites do Sistema Solar representam os confins da alma humana. Ambas as histórias exploram a descida ao lado sombrio da natureza humana, as trevas que consomem até mesmo os indivíduos aparentemente mais fortes quando confrontados com o terror metafísico do vazio existencial.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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