O excesso de confiança no progresso não passa de fé cega na natureza humana. A ideia de que saímos do menos para o mais, do simples para o complexo e da barbárie para civilização — como se pudéssemos projetar toda a história humana como se fosse uma única linha ascendente num gráfico de conquistas — só demonstra que não evoluíamos nadinha em termos de compreensão da nossa própria história.
Os que acreditam no fim do progresso estimam a si mesmos como o modelo de civilização. A civilização de hoje será melhor que a barbárie de ontem. E a civilização do amanhã demonstrará, para as gerações futuras, o quanto seremos retratados nos livros de história pela nossa própria barbárie. É muito otimismo.
Por isso não canso de assistir ao belíssimo Decálogo 1 – Amarás a Deus sobre todas as coisas, de 1989, do diretor polonês Krzysztof Kieslowski, o filme é uma crítica devastadora ao otimismo progressista.
Para quem não conhece a série Decálogo, recomendo vivamente. São 10 filmes de aproximadamente 50 minutos produzidos para TV. Cada um deles representa um mandamento bíblico. Cada história é carregada de simbolismo cujo ambiente é a vida moderna, tão distraída e, às vezes, até contrária à vontade de Deus. O homem moderno — progressista, cientificista e autossuficiente — se impõe como um verdadeiro senhor de si, sem temor e desobediente de Deus.
Decálogo 1 é um filme sensível e profundo. Nada de heróis e violões. Trata da breve história de Paweł, um garotinho de 12 anos muito inteligente que vive com o pai, Krzysztof, num pequeno apartamento cheio de computadores e muito estímulo intelectual. Krzysztof é ateu e professor universitário, dá aulas de linguística na universidade e sonha em construir uma linguagem universal. Ele acredita piamente no progresso e na ciência. A história também traz um personagem importante: Irena, a irmã católica de Krzysztof, que nutre um profundo respeito pelo irmão e imenso amor pelo sobrinho.
Essa pequena obra de arte traz diálogos profundos sobre a morte e a existência de Deus, sobre a tecnologia e o sentido da vida. Paweł, que pode muito bem simbolizar o maravilhamento da inteligência filosófica, protagoniza todas as conversas com o pai e a tia.
Conversas que não precisam de lugares especiais para acontecer. Tudo se passa no cotidiano gelado de um inverno polonês, seja na mesa do café da manhã com o pai lendo jornal e presenciando o leite azedar — um item que aparecerá em praticamente todos os filmes da série — seja na sala de jantar com a tia mostrando fotos de João Paulo II, seja na neve observando um cachorro morto.
Particularmente, gosto de dois diálogos. O primeiro, com pai, será a respeito da morte e a alma; o segundo, com a tia, trata-se de um diálogo sobre a vida e Deus.
O homem moderno — progressista, cientificista e autossuficiente — se impõe como um verdadeiro senhor de si, sem temor e desobediente de Deus
Depois de se deparar com um cachorro morto, Paweł chega em casa e encontra o pai na mesa do café lendo jornal: — por que as pessoas morrem? — pergunta Paweł. O pai responde: — por várias razões. Problemas cardíacos; câncer; acidentes; idade avançada... — e volta a olhar para o jornal. Porém, não era essa a resposta que o garoto esperava, uma resposta materialista que aponta apenas possíveis causas da morte. Paweł está em interessado no que é a morte? No sentido filosófico mesmo, aquele que Sócrates considerou a musa inspirado da filosofia. A resposta do pai foi frustrante: o coração para de bombear sangue; nenhum sangue chega ao cérebro; então tudo se interrompe.
Com a tia, Irene, Paweł questionará o que é Deus: o que é Deus? Antes disso, ele perguntará o que é a vida? Toda conversa teve início depois de a tia mostrar fotos de João Paulo II para ele. Paweł pergunta para a tia se João Paulo II é um homem bom e inteligente. A tia diz que sim. E ele, então, pergunta: você acha que ele sabe o que é a vida? Papai me diz que estamos vivos para facilitar as coisas para as pessoas que virão depois da gente, mas que nem sempre temos sucesso.
A tia, muito sagaz e amável, responde — Seu pai está certo. Nem sempre temos sucesso. Acho essa resposta de uma delicadeza. Sim, o pai está certo não no fato de que a vida significa ajudar as próximas gerações, mas no fato de que os seres humanos fracassam. Por isso, para ela, a vida é dádiva, e viver é a alegria de poder as outras pessoas. De estar lá. Quando você faz algo para alguém, por menor que seja, você se sente necessário. E a vida parece mais brilhante. Podem ser coisas grandes ou coisas pequenas.
Em outras palavras, não se trata do amor impessoal à humanidade, de melhorar a vida das próximas gerações, mas do incondicional amor ao próximo. Por nada nessa vida estragarei a surpresa do final do filme. Portanto, o restante da conversa, eu convido você, caro leitor, a descobrir como termina.
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