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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Amor ao conhecimento e a democracia

O legislador ateniense Sólon, em ilustração de Walter Crane.
O legislador ateniense Sólon, em ilustração de Walter Crane. (Foto: Wikimedia Commons)

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Etimologicamente, a palavra “filosofia” traz um sentido originário de “amor ao conhecimento” ou, mais precisamente, “amizade à sabedoria”. Destaco que sophia em grego pode significar um simples saber: “eu sei fazer ensopado de frango” ou algo mais precioso, tal como “Sócrates é o homem mais sábio de Atenas”.

Entretanto, é importante tomar cuidado com reduções etimológicas ao ir buscar a definição da atividade filosófica na origem semântica do termo “philosophia”. Não recomendo. Assim como não recomendo para nenhuma palavra com longa história.  Não há sentido nos termos sem um devido contexto histórico.

A propósito, é muito banal, pra não dizer pedante, pegar o termo grego “philosophia e traduzi-lo ao pé da letra a fim de tentar uma definição. Isso vale para muitas outras definições. Ninguém define “biologia” ou “matemática” simplesmente traduzindo as palavras. “Bios: vida; logos: estudo”, portanto, bio-logia é estudo da vida. Nada mais sem graça e vazio. Nada mais sem sentido.

O nascimento da filosofia, como área do conhecimento, depende de uma série de pressupostos sociais e políticos que só a Atenas democrática conseguiu oferecer

Pensem na palavra “democracia”. Literalmente, “poder do povo”. Mas qual a definição de “poder” e “povo” pressupostas quando alguém diz “eu defendo a democracia”? Isso vale para “amor”, “conhecimento”, “sabedoria”, “vida”, “poder”, “liberdade” etc. Esses termos até podem guardar alguma coisa em comum com o sentido das concepções originárias de “amor”, “conhecimento”, “sabedoria”, mas será preciso mais do que isso para entender o sentido genuíno dos termos, já que o sentido depende do uso. Aqui sou bem pragmático: o valor de verdade de um termo é determinado pelo uso.

Philosophia é uma palavra de origem grega e aparece pela primeira vez em contexto muito específico da história lá da Grécia do século 5.º antes de Cristo. Na verdade, pode-se afirmar que o nascimento da filosofia, como área do conhecimento, depende de uma série de pressupostos sociais e políticos que só a Atenas democrática conseguiu oferecer. Sim, isso mesmo, democracia e filosofia são filhas de uma mesma época histórica.

Em um primeiro momento, é de suma importância analisar alguns dos aspectos desse contexto histórico, que de alguma forma estiveram relacionados ao surgimento da “filosofia”; só assim dá para compreender o sentido dessa palavra e, consequentemente, dessa atividade humana, muitas vezes tão desprezada. Afinal, para que serve a filosofia? Ora, não serve pra nada.

Um dos principais aspectos a levar em consideração a respeito do surgimento da filosofia é, precisamente, o contexto social da polis, isto é, um tipo muito específico de configuração da cidade na Grécia antiga, que impõe, grosso modo, duas grandes mudanças na concepção de poder e de organização da vida em cidade: a) a nova concepção de virtude e b) a nova concepção de poder centrada no “discurso”.

A filosofia nasce das discussões, do confronto de ideias, da discussão em praça pública. E um dos primeiros problemas filosóficos foi a pergunta acerca do fim último da vida humana enquanto vida vivida na cidade. Noutras palavras: o que é a justiça, a amizade, o bem, se é possível ensinar alguém o que é ser virtuoso, como viver uma boa vida, como envelhecer e assim por diante.

Em filosofia, é preciso ir longe, ir até as raízes, buscar o fundamento último das nossas concepções, conceitos, crenças e opiniões

Concomitante a isso, a gênese da atividade filosófica depende da boa compreensão da noção de uma nova forma de “discurso” – que em grego se diz logos – como centro da ordem política na fundamentação da vida na cidade. Na medida em que estas concepções de “discurso” e “poder” superam a tradição da ordem política diretamente vinculada à estrutura mítica fundada na ordem da “narrativa” – em grego se diz mythos – específica da tradição religiosa grega.

Notem que não basta simplesmente pegarmos a palavra “filosofia”, decompô-la e traduzir suas partes a fim de buscar um resultado inequívoco do que significa filosofia. Em filosofia, é preciso ir longe, ir até as raízes, buscar o fundamento último das nossas concepções, conceitos, crenças e opiniões. O que depende também da história e da compreensão que cada filósofo tinha de problemas filosóficos.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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