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Sinceramente, eu tenho duplo sentimento com relação à construção do Museu Nacional da Bíblia. Se por “museu” compreendemos um local para coleção, preservação e difusão de artefatos culturais com objetivo de guardar a memória de um povo, considero um Museu da Bíblia redundante, já que a própria Bíblia, por excelência, cumpre, mais do que qualquer outro artefato humano, esta finalidade: guardar a memória de um povo: o Povo de Deus.
O texto bíblico permanece vivo no coração de cada cristão ou não? Construir um museu para preservá-la seria presumir que aquela narrativa, por si, já não é capaz de falar para o coração dos homens? Ora, teologicamente a ideia de que haja necessidade de um museu para preservar e difundir a memória da Bíblia me parece um contrassenso. A construção de um museu seria declarar a triunfante vitória da cultura secular, já que o lugar sagrado para guardarmos a Palavra de Deus só poderia ser a Igreja.
Por outro lado, considerando nossa cultura uma cultura completamente secularizada, plural e até indiferente a Deus, por que não construir um museu nacional acerca de um “artefato” cultural tão significativo e importante para a nossa cultura como a Bíblia? Por essa perspectiva, não há razão para não construirmos o Museu da Bíblia. O brasileiro parece não gostar de preservação da memória de sua identidade.
Considerando nossa cultura uma cultura completamente secularizada, plural e até indiferente a Deus, por que não construir um museu nacional acerca de um “artefato” cultural tão significativo e importante para a nossa cultura como a Bíblia?
Recentemente, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) quase barrou o projeto alegando que o museu “afronta a liberdade religiosa e a laicidade do Estado”. O fato é que a Atea tem uma visão infantil do que significa laicidade do Estado, religião e fé. Seus membros concebem a experiência religiosa nos seguintes termos: todo religioso não passa de um ignorante. A religião é a causa do sofrimento e das guerras. Não ter religião significa inteligência, liberdade e paz entre os homens.
Segundo essa visão de mundo, compartilhada com muitos liberais progressistas, a experiência religiosa deveria ficar no espaço privado, jamais no público. Isso faz parte de um pensamento que promove uma distinção profunda entre a vida privada e a esfera pública e coloca toda forma de experiência religiosa nos limites da experiência privada. Qualquer interferência da religião na esfera pública deve ser combatida, à luz do que eles entendem ser os critérios legítimos da racionalidade.
Em confronto, o ministro do STJ Humberto Martins destacou que Bíblia “embasa as mais variadas religiões”. Por isso, no seu entendimento, o museu não iria privilegiar uma religião em detrimento das demais” e liberou sua construção. Ele acrescentou ainda que é preciso estimular a existência de museus que tratem das mais diversas manifestações religiosas brasileiras.
Martins está corretíssimo. E, se as teses da Atea fossem colocadas em prática politicamente, em todo o território nacional, toda e qualquer forma de manifestação religiosa deveria ser destruída. O importante é preservar a laicidade do Estado e não destruir os alicerces culturais da sociedade. Se tradição bíblica fundamenta as mais variadas expressões religiosas, além de toda a herança cultural relacionada ao universo bíblico, um museu para a Bíblia preserva a memória não só de um, mas de muitos outros povos que desejam manter a memória de seus ancestrais.
O Museu da Bíblia seria um caminho culturalmente estimulante para museus de outras diversas expressões religiosas que formaram o imaginário cultural brasileiro
A laicidade não surgiu para limitar a interferência da religião no Estado, mas para limitar o poder do Estado na consciência religiosa. Como disse certa vez Bento XVI a respeito dos limites da obediência ao Estado em defesa da liberdade de consciência religiosa:
“O Estado não é a totalidade da existência humana e não pode abarcar toda esperança humana. O homem e sua esperança vão além da realidade do Estado e além da ação política. Isso vale não apenas para um Estado como a ‘Babilônia’, mas para qualquer gênero de Estado. O Estado não é a totalidade. Isso alivia os políticos e lhes abre a estrada a uma política racional. O Estado romano era falso e anticristão justamente porque queria ser o todo das possibilidades e esperanças humanas. Desse modo, ele pretende aquilo que não pode; com isso, deturpa e reduz o homem. Através da mentira totalitária, torna-se demoníaco e tirânico.”
Ao fim e ao cabo, o Museu da Bíblia seria um caminho culturalmente estimulante para museus de outras diversas expressões religiosas que formaram o imaginário cultural brasileiro. Na verdade, devemos incentivar mais e mais museus.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos