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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Genocida?

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No que se refere ao modo como o governo federal lida com a pandemia, não se pode concluir, dadas as evidências, que Bolsonaro usa a Covid-19 para destruir determinado grupo de pessoas. Nesse caso, é imprópria a tipificação deste que é considerado o crime de todos os crimes: o genocídio. De todos os críticos de Bolsonaro que eu acompanho, raro é aquele que não aderiu à campanha retórica de instrumentalizar a angústia para fins da política como vingança.

Sou crítico de tudo que representa Bolsonaro e o bolsonarismo. E considero não só desastrosa como moralmente repugnante a maneira como ele conduziu a população nesta pandemia e, principalmente, o seu desprezo pelos defuntos.

De todos os críticos de Bolsonaro que eu acompanho, raro é aquele que não aderiu à campanha retórica de instrumentalizar a angústia para fins da política como vingança

O fato de um presidente, de personalidade autoritária e grosseira, de nítida estupidez criminosa, não se solidarizar de maneira adequada pelos mortos e ainda por cima contribuir para o avanço da pandemia não implica necessariamente em ser genocida. Todo genocida é anempático; mas nem todo anempático é genocida. Só a anempatia de um homem estúpido e grosseiro não sustenta o genocídio. Há muitos outros elementos, sobretudo de longas raízes históricas.

Aqui é preciso assumir algumas responsabilidades. Genocídio é o mais diabólico dos crimes justamente pelo seu caráter de necessidade: a necessidade de destruir para se proteger; a necessidade de aniquilar para purificar; e justamente por isso não dá para sair por aí acusando qualquer um – inclusive Bolsonaro – de genocida. Trata-se de responsabilidade moral, muito mais que de um mero preciosismo semântico.

Como distinguir o certo do errado se a maioria ou a totalidade do nosso ambiente já prejulgou a questão e decretou: “genocida”? Depois de julgado e condenado, o que se deve fazer com um genocida? Se há provas efetivas de que temos no poder um tirano genocida, não seríamos todos nós cúmplices, ou pelo menos quem o apoiou e, mais ainda, continua apoiando? Ora, a experiência da culpa e culpa coletiva, nos termos em que aqui vem sendo construída, tem muito mais a ver com vingança do que com justiça.

Algumas palavras precisam ser ditas sobre o que de fato e o genocídio. Os crimes de genocídio foram só recentemente registrados no direito internacional como crime. Data de 1946, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na assim chamada Convenção de Genocídio.

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A definição de genocídio está no Artigo II do documento: “entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional. étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capaz de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.

Em outras palavras, por genocídio não se entende simplesmente ser responsável pela morte de muitas pessoas – ou seja: em tese, ainda que ficasse provada a responsabilidade do governo pela morte das pessoas nessa pandemia, isso não seria suficiente para acusá-lo e condená-lo por genocídio. O elemento essencial que deve ser considerado não é a quantidade de mortes, mas o dolo especial que determina a natureza do crime de genocídio. Por mais que se tente, com o que temos, é irresponsável comparar as políticas de extermínio de Bolsonaro com as de Pol Pot, Stalin e afins.

A experiência da culpa e culpa coletiva, nos termos em que aqui vem sendo construída, tem muito mais a ver com vingança do que com justiça

Genocidas buscaram aniquilar um determinado grupo em nome da proteção e superioridade de seu próprio grupo. Vale ressaltar que um dado muito comum entre genocidas é o processo de desumanização de um inimigo muito específico. Seja de um grupo religioso, étnico e até político. Como diz o documento das Nações Unidas, para constituir genocídio deve haver intenção comprovada por parte dos agressores de destruir fisicamente um grupo específico por ser precisamente aquele grupo.

Com relação ao combate à pandemia, Bolsonaro não pensa nesses termos. Sua indiferença pelas mortes por Covid-19, a gripezinha, é mais difusa; seu desprezo pelos milhares de brasileiros mortos – incluindo cidadãos que o apoiaram –, mais universal. Isso significa que não há nada que indique na intenção de Bolsonaro o dolo para aniquilar um grupo em nome da proteção e da superioridade de outro.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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