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Em Para Roma com Amor, Woody Allen nos antecipou o que seria a celebridade na era das redes sociais. Estou me referindo ao personagem Leopoldo Pisanello (Roberto Benigni), um homem ordinário que, repentinamente, se vê no centro das atenções, no palco efêmero da fama. O que ele fez para ficar se tornar celebridade instantânea e publicamente relevante? Absolutamente nada. Leopoldo não possui nenhum talento, tampouco fez algo memorável. Embora carismático, é um típico homem banal.
Ainda assim, em um belo dia qualquer, os holofotes da fama passam a persegui-lo. Leopoldo é convidado a dar entrevistas para grandes emissoras de tevê. É reconhecido na rua pelas pessoas. Enfim, do nada passa a receber toda atenção que a fama oferece, inclusive a de uma bela mulher. As melhores cenas de Leopoldo são quando, em entrevistas, os jornalistas lhe fazem perguntas absurdas a respeito de seu cotidiano. A banalidade de Leopoldo se transforma em espetáculo, é justamente o que desperta o interesse do público. E, claro, como não poderia deixar de ser, Leopoldo começa a gostar dos caprichos da bajulação.
Leopoldo, desconfortável no início, se adapta facilmente à nova condição. Isso prova que, no mundo contemporâneo, a fama é mais um estado circunstancial do que uma conquista.
Ser conhecido como centro das atenções momentâneas não significa ser significativo
Durante uma entrevista, as pessoas querem saber se ele usa cueca boxer ou cavadinha; perguntam como ele adoça o chá. Nada de extraordinário. A cena é cômica e inquietante. Woody Allen conseguiu capturar o vazio que cerca a lógica da celebridade no mundo hipermoderno, como diz Gilles Lipovetsky. Esse mundo é o que o filósofo francês chama de “processo de personalização”. Nele, tal dinâmica de uma fama efêmera funciona como o típico combustível da sociedade. A partir de táticas impulsionadas pelas novas mídias, pelo consumismo massivo e pelo individualismo padronizado, esse processo exalta o ordinário.
Noutras palavras, ser conhecido como centro das atenções momentâneas não significa ser significativo. A fama de Leopoldo é tão efêmera quanto o interesse dos paparazzi por sua rotina cotidiana. Não à toa Leopoldo retorna ao anonimato tão rápido quanto alcançou a fama. O desprezo vem na mesma proporção que o interesse meteórico. É uma roleta russa tão atraente quanto o prêmio da loteria.
Tudo isso me lembrou do episódio envolvendo a até então desconhecida Jeniffer Castro, uma mulher comum, inclusive sem carisma, que viralizou após um vídeo tão trivial quanto tudo o que envolve o caso dela. Uma criança mimada quis sentar-se na janela do avião. Nada de heroico nos gestos de nenhum dos envolvidos. Muita gente discutiu o mérito da atitude. Não há qualquer discussão aqui. Ceder ou não ceder o lugar para um moleque birrento? Pouco importa. O que interessa mesmo é a ascensão dos personagens, o fenômeno da distração, as curiosidades irrelevantes.
O fato é que não importa tanto o conteúdo – seja ele uma dança, um comentário ou algo inesperado –, mas a dinâmica que se seguiu: os likes, os memes, os convites para entrevistas, o cancelamento, a tentativa de destruição de reputação e a fama repentina nas redes, o anonimato atraente. Para mim, tudo isso é um exemplo real desse fenômeno da personalização generalizada. Sua exposição não decorre de um mérito específico, mas da lógica do narcisismo, que opera com o objetivo de provocar invejas, ressentimentos, enriquecer grandes empresas. Quem não queria um cancelamento invertido desses? Em menos de dois dias, Jeniffer conseguiu mais de 2 milhões de seguidores no Instagram. Fez publicidade para o Magazine Luiza e faturou uma boa grana.
As redes sociais, hoje, amplificam o que Woody Allen já intuía em Para Roma com Amor. A diferença é que o tempo de fama se acelerou: se antes falávamos nos 15 minutos, como provocou Andy Warhol, agora são 15 segundos. Parafraseando o artista: “A qualquer momento, todos serão mundialmente famosos por 15 segundos”.
Em “Para Roma com Amor”, Leopoldo voltou ao anonimato; amanhã, Jeniffer Castro será substituída por outra. Enquanto isso, continuamos presos ao espetáculo do efêmero
O ciclo de consumo de conteúdos e pessoas é voraz. Jeniffer, assim como Leopoldo, é engolida e descartada em um piscar de olhos. Mas, no intervalo em que esteve no centro das atenções, o que restou? Apenas o gostinho de ser uma celebridade sem nada para dizer. Pois é isso que Leopoldo descobre: ele ficou famoso por ter ficado famoso. A fama se retroalimenta do próprio de uma curiosidade sem compromissos.
Há algo de perturbador nessa nova dinâmica, nesse ciclo vicioso. Quando viralizamos um vídeo, criamos mais espetáculo e, quanto mais espetáculo, mais viralizamos banalidades. O fenômeno não é novo, mas, com a tecnologia, ganhou uma proporção desumanizadora. Fama sem mérito é apenas ruído. No fundo, o que está em jogo é a nossa incapacidade de escapar da superficialidade. No filme, Leopoldo voltou ao anonimato, e amanhã Jeniffer será substituída por outra. Enquanto isso, continuamos presos ao espetáculo do efêmero. Com a esperança de que um dia também encontremos alguns segundos explosivos de glória.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos