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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Hamas e Israel

O combatente e o terrorista

Extremistas do Hamas
Soldados do Hamas com lança-mísseis; Brasil não classifica movimento como terrorista. (Foto: Divulgação/Forças de Defesa de Israel)

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Diante de um tema tão complexo quanto o conflito Israel e Palestina, é compreensível que as pessoas tomem partido e apresentem lá suas razões para isso. Não me refiro a paixões comparáveis às de torcidas organizadas, cujo engajamento é, a princípio, desprovido de ideologia. Ao contrário, trata-se de paixão motivada ideologicamente. Como não sou especialista no assunto, não meterei o bedelho. Entretanto, é preciso refletir sobre a maneira como uma parcela significativa da opinião pública tem reagido aos recentes ataques terroristas do Hamas contra Israel. Sim, nisso estou de acordo: os ataques do Hamas a Israel só tem um nome: terrorismo.

Em geral, o maior trunfo do terrorismo é a capacidade de direcionar a opinião pública para a causa colocada em pauta. Existe, de fato, uma estratégia midiática por trás do terror, e os terroristas são verdadeiros especialistas em mobilizar a opinião pública. Por mais absurdo que possa parecer, o ato terrorista só tem relevância quando provoca uma onda de pânico na mídia. Por isso, muitos desses ataques são gravados e compartilhados nas redes sociais. Vídeos de mulheres e crianças sequestradas, que deveriam causar repulsa imediata, acabam gerando debates, e esses debates levam a posicionamentos – tanto de opositores quanto de simpatizantes. Desse modo, tornar público um ato terrorista é uma estratégia para avaliar as reações da população.

Há pessoas que, sem muita consideração ética ou esforço mental, conseguem reverter a narrativa, fazendo da vítima o algoz e do agressor o injustiçado. Nesse contexto de opinião pública já deformada, o terrorista só poderia ser visto como um combatente

Alex P. Schmid, um renomado especialista no tema, define o terrorismo como um método de combate no qual ataques aleatórios ou simbólicos são feitos contra vítimas inocentes que não estão diretamente envolvidas no conflito em questão. Esses ataques são usados por grupos subnacionais ou clandestinos para induzir sentimentos de medo ou terror em uma audiência mais ampla do que as vítimas diretas, tudo com o objetivo de avançar suas demandas políticas. Por sua vez, Bruce Hoffman, em seu livro Inside Terrorism, destaca que o terrorismo envolve o uso de violência deliberada para instigar medo, perpetrada por sua capacidade de impactar psicologicamente uma audiência que vai além da vítima imediata. E esse ato é usualmente realizado por um grupo organizado que é movido por ideologias, sejam elas políticas, religiosas ou outras.

Essas preciosas definições nos auxiliam a entender a necessidade de o terrorismo se manifestar como um espetáculo. Afinal, os grupos terroristas só têm sua razão de ser quando há a espetacularização da violência. Ataques particularmente chocantes ou devastadores garantem ampla cobertura midiática, ajudando os terroristas a disseminar o medo e a incerteza entre a população. Este espetáculo de violência é intencionalmente projetado para garantir notoriedade. E, mais do que isso, mobilizar paixão do simpatizante.

Há uma motivação simbólica nisso tudo. Atacar alvos icônicos ou eventos de grande visibilidade permite que os terroristas enviem uma mensagem poderosa. Por exemplo, os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos não só foram devastadores em termos de vidas perdidas, mas também miraram símbolos do poder americano: o World Trade Center e o Pentágono. Ainda me recordo exatamente de onde estava quando vi os ataques sendo transmitidos ao vivo na televisão. A capacidade de criar uma memória coletiva duradoura é o que dá propósito ao ato terrorista. Naquela época, não havia redes sociais para cobrir o evento. Assim, as reações da opinião pública dependiam majoritariamente dos grandes veículos de mídia e das conversas cotidianas em ambientes como bares e salas de aula. Mas o propósito do ato terrorista era o mesmo.

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Além disso, existe ainda outro objetivo além de instigar o medo na população: os grupos terroristas utilizam a mídia para comunicar suas demandas, justificar seus atos e, inacreditavelmente, atrair simpatizantes. Em última análise, o objetivo é recrutar novos membros. Eles sabem que a cobertura de um ataque pode alcançar uma audiência global, atraindo simpatizantes alinhados ideologicamente.

Sim, há pessoas que, sem muita consideração ética ou esforço mental, conseguem reverter a narrativa, fazendo da vítima o algoz e do agressor o injustiçado. Nesse contexto de opinião pública já deformada, o terrorista só poderia ser visto como um combatente. Pode parecer um detalhe menor, mas referir-se a atos terroristas como “atos de combate” confere uma certa legitimidade à destruição de vidas inocentes. Nesse cenário, não muito distante de nós, o espetáculo foi capaz de pintar o Hamas como libertador e Israel como genocida.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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