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Abri uma caixa de perguntas no meu Instagram e um colega de profissão me colocou um desafio: como dar boas aulas de Filosofia para adolescentes? Embora eu dê aulas especificamente de Filosofia para adolescentes desde 2005, não respondi por impulso. Pensei, repensei e cheguei a uma conclusão, ainda que provisória – isto é: uma conclusão significa a minha conclusão a respeito da arte de ensinar Filosofia para adolescentes.
Começarei com a minha arte de ensinar de uma forma geral. Durante todos esses anos trabalhando como professor de ensino médio, compartilho o seguinte:
Não trate adolescentes como idiotas. A primeira grande lição que deveria nortear a vida de um bom professor de ensino médio é justamente aquela que considera o estudante em sua dignidade. Alunos adolescentes devem ser tratados com extremo respeito como pessoas. Há tantos receios envolvidos, inseguranças típicas da idade. A relação entre professor e aluno se inspira na relação de lealdade e cumplicidade com o conhecimento. Diminuir um aluno é se diminuir como professor.
Aula não é lugar para “liderar uma revolução política, espiritual e moral”. Aula é ato de aprendizado, ambiente sagrado da reflexão, do diálogo e do pensamento
Não use a sala de aula para liderar uma revolução. Infelizmente muitos professores instrumentalizam a sala de aula para romantizar a transformação do mundo. Aula não é lugar para “liderar uma revolução política, espiritual e moral”. Aula é ato de aprendizado, ambiente sagrado da reflexão, do diálogo e do pensamento. Não conheço um único adolescente que tenha colocado a mão na consciência porque um professor acha que está conduzindo a turma para a terra prometida da libertação utópica.
Não tenha medo de errar. Quem ensina deve ensinar a lidar com os próprios erros. Inerente à lição está o erro. Ter consciência de que o ato de refletir sobre um tema é sempre suscetível a impressões, equívocos e, por isso, correções é o primeiro passo para o caminho de uma boa aula. O que diferencia um professor dogmático grosseiro e ruim de uma autoridade genuína e inspiradora está no fato de que o primeiro nunca admite a possibilidade de estar errado.
Não tenha receio de rever um equívoco. Se errou, corrija. Se foi corrigido por um aluno, agradeça. Simples assim. Professor deve ser o primeiro exemplo de autocorreção. “Galera, desculpas, errei aqui, vamos rever esse tópico aqui.” Especialistas rigorosos e que inspiram confiança sabem que o primeiro passo para o rigor é a revisão de seus erros. Se por ensinar compreendemos o ato de “refletir juntos a respeito de um tópico”, honestidade intelectual precisa ser tratada como a grande virtude.
Não dê aula para abstrações, trate seus alunos como pessoas reais bem diante de você. A nossa mente tende a reduzir experiências particulares a conceitos gerais abstratos, é da natureza da racionalidade. No entanto, quando estamos em sala de aula não estamos diante da abstração “aluno”, e sim de pessoas bem concretas. Isso não significa reduzir o ato de ensinar a problemas psicológicos, apenas reconhecer que “Joãozinho” não é uma ideia, um estereótipo, mas alguém vivo e cheio de receios e expectativas.
Não exponha ninguém que não queira ser exposto – sobretudo ao ridículo. Por razões de ordem psicológica complexas, a exposição pode gerar constrangimentos perturbadores para o resto da vida. Se não quer quebrar o sagrado vínculo de confiança com seus alunos, não os coloque em situações que para eles possam ser vexatórias. Há alunos que simplesmente são... tímidos; respeite-os.
Seus problemas pessoais não são problemas de seus alunos. Uma das lições mais importantes que aprendi em todos esses anos de ensino é reconhecer que a vida em sala de aula é um tipo muito peculiar de vida pública, e que por isso os meus problemas pessoais não são problemas dos meus alunos. A relação professor e aluno não é relação familiar.
Não é difícil despertar o interesse do adolescente para questões filosóficas. A vocação dos grandes questionamentos humanos nasce nessa fase da vida
Com relação ao ensino de Filosofia especificamente, eu aprendi o seguinte:
Traga problemas filosóficos significativos. Não é difícil despertar o interesse do adolescente para questões filosóficas. A vocação dos grandes questionamentos humanos nasce nessa fase da vida. Por isso, trate toda pergunta de seus alunos como a pergunta filosoficamente mais importante. E, claro, se ela for mal formulada, ajude o aluno a formulá-la com mais precisão, inclusive com precisão gramatical.
Mostre que filósofos foram e são pessoas reais obcecadas com suas indagações filosóficas. Em geral, o que diferencia um filósofo de qualquer outro ser humano no planeta é que filósofos tiveram a ousadia de levar às últimas consequências suas obsessões racionais e existenciais. Em outras palavras, defender a liberdade da consciência reflexiva. Lembre-se de que o silêncio da vastidão do universo não é nada perto da inquietação questionadora de uma singular consciência humana.
Por último, o sucesso de um professor de Filosofia para adolescentes depende disto aqui: não insista para os seus alunos que filosofia seja a coisa mais importante do mundo sem antes ser capaz de mostrar por que ela é a coisa mais importante do mundo para você mesmo.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos