Constantemente luto contra o meu entusiasmo político. Refiro-me, aqui, obviamente, à ideia de política como militância, proselitismo, andar de mãos dadas em nome de uma causa, esperar que o mundo se torne um lugar melhor em virtude dos meus ideais. Sou, para ser bem sincero, desesperançoso politicamente. Acredito que o fazer política indica apenas uma necessidade humana. E, portanto, a pior coisa que poderia acontecer comigo é me tornar um militante.
Resumo o meu receio nos seguintes termos: tornar-me um reflexo exato do que abomino. Abomino a militância política de todo o meu coração. Não há risco maior para a vida política senão o de reproduzir os mesmos cacoetes e vícios daquelas atitudes que abominamos. Na pior das hipóteses, incorporar os mesmos gestos e paranoias, as mesmas manias de perseguição, as mesmas esperanças utópicas e ressentimentos.
Nada é pior do que responsabilizamos um inimigo imaginário pela nossa decadência e miséria. E não seria justamente essa a natureza do entusiasmo militante? Por isso, evoco aqui minha política como resistência interior para não me tornar um militante.
Sempre penso no militante como alguém capaz de justificar o uso da violência como forma de libertação. O entusiasmo político nasce das boas intenções e termina se afogando na própria lama da violência
Assim, fazer política, para mim, significa resistir ao entusiasmo ideológico. O agir político genuíno seria a capacidade de resistir, internamente, a toda forma de ação revolucionária e reacionária – lembrando que o militante pode ser de direita e de esquerda.
Bom, o termo “militância” pode ter muitos significados, mas o pior é o teológico. No geral, ele está relacionado ao uso clássico cooptado pelo progressismo: militância se reduz a uma forma específica de práxis revolucionária dentro do universo ideológico originário tradicionalmente da esquerda hegeliana: a consequência lógica da inversão materialista em relação ao idealismo. Militância política é filha do romantismo revolucionário. Mas a direita também aprendeu a dizer, aos berros, o próprio nome. Reacionários de todo o mundo, uni-vos!
Penso na militância revolucionária e reacionária como esvaziamento secular do querígma cristão. Sempre penso no militante como alguém capaz de justificar o uso da violência como forma de libertação. O entusiasmo político nasce das boas intenções e termina se afogando na própria lama da violência. Parece um contrassenso, mas, infelizmente, é só a consequência inevitável de se acreditar demais em si mesmo. É da natureza do entusiasmo político a violência em nome de um bem maior.
E quais as razões? Ora, pelo fato de “militância” trazer uma característica comum: a autoproclamação dos condutores do sentido da história. Militar é acreditar que se enxerga o mundo de um lugar privilegiado: o fim dos tempos.
Pessoalmente, minha crença no sentido da história diz que o fim da história é mistério absoluto. Entretanto, o pressuposto básico do militante é: “nós desvendamos a dinâmica da história: eis a nossa esperança. Política salva e liberta”. Todo militante luta contra um inimigo desse destino. Quando faz uso da violência, não sente remorso e nem raiva: faz por necessidade, pois está possuído pelo entusiasmo do heroísmo.
Não dá para aceitar isso. Um militante é alguém cheio de si, de um otimismo repugnante. Na minha humilde opinião, a verdadeira virtude política é resistir a esse tipo de tentação: “transformar o mundo segundo os meus magníficos ideias de verdade, liberdade e justiça”.
Quando faz uso da violência, o militante não sente remorso e nem raiva: faz por necessidade, pois está possuído pelo entusiasmo do heroísmo
Eu jamais gostaria de falar em nome de algum movimento político. Eu fiz uma opção pessoal: usar o termo “política” para demarcar um posicionamento distinto de todo entusiasmo salvífico. Política, nesse sentido, seria o exercício de construir uma fortaleza interior que jamais vê no outro um inimigo.
A liberdade proposta pela militância consiste na expressão pura de servilismo. A forma paradigmática desse entusiasmo foi expressa por Vlademir Safatle no seu livro-manifesto A esquerda que não tema dizer seu nome: “a política é, em seu fundamento, a decisão a respeito do que será visto como inegociável. Ela não é simplesmente a arte da negociação e do consenso, mas a afirmação taxativa daquilo que não estamos dispostos a colocar na balança”.
Minha concepção de política expressa precisamente o contrário: a política é, em seu fundamento, a decisão consciente e tranquila a respeito do que será visto como negociável. Ela é simplesmente a arte da negociação e do consenso provisório, jamais a “afirmação taxativa daquilo que não estávamos dispostos a colocar na balança”.
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